Especialistas comentam crimes passionais

Por Gazeta Admininstrator

A brasileira Jackline A. de Melo, de 17 anos, foi encontrada morta na noite de quarta-feira(6) em Deerfield Beach. De acordo com a polícia, o namorado da jovem, o também brasileiro Alfredo S. Oliveira, de 35 anos, contou a um amigo com quem divide a casa que a matou. O corpo tinha sinais de espancamento. Psicanalistas e psicólogos comentam.

Crime Passional
De acordo com especialistas, desvios de comportamento como dependência, possessão e obsessão são comuns entre indivíduos que praticam os chamados crimes passionais. Para o coordenador do núcleo de psicologia e psiquiatria forense do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, Antonio de Pádua Serafim, “todo mundo tem um grau de periculosidade”. Mas, segundo ele, há traços em comum entre pessoas que cometem crimes motivados por sentimentos como a paixão.
Segundo Serafim, existem dois padrões identificados em pessoas que cometem crimes passionais: o de dependência e o de possessão.
As pessoas que se encaixam no primeiro perfil são, de acordo com o psicólogo, inseguras e projetam no outro sua fonte de vitalidade. “É muito comum essa pessoa ser muito solícita e, na falta de ser corres-pondida, pode ter dois tipos de comportamento: um de desesperança, que pode levar ao suicídio; e outro que reverte a idolatria em raiva, e pode terminar no ato de eliminar o outro”, afirmou Serafim.
O segundo tipo de perfil apresentado pelo psicólogo tem traços possessivos, obsessivos, com necessidades de controle e autoridade. “Essa pessoa tem dificuldade de dividir a atenção do outro e defende o que é dela de um jeito muito intenso. Pode interpretar que o outro fez uma nova ami-zade e não dá mais atenção para ela. E quando tem a sensação de perder o objeto de desejo, perde o controle e age com impulsividade.”
Segundo Serafim, uma mesma pessoa pode ter traços de um ou outro perfil, ou ainda apresentar um terceiro comportamento. “É quando a pessoa vincula o sentimento que tem ao papel que o outro exerce. Por exemplo, um papel social. O traço patológico é ficar com o outro não porque ele é maravilhoso, mas por que tem um papel social importante. Quando acaba a valia desse papel, o outro se torna desprezível, e a pessoa pode abandonar, denegrir a imagem ou eliminar o outro.”
O psicólogo afirma que o comportamento de quem comete um crime passional é impulsivo. “Conheço casos de crimes em que o indivíduo briga com a esposa e mata a esposa, a sogra e a filha”, comentou Serafim. Segundo ele, não é possível identificar o possível criminoso. “A hiperemoção pode ocorrer em qualquer pessoa. Claro que algumas são mais propensas, as que têm um limiar de tolerância mais baixo”, disse.

Análise
A paixão pode levar ao crime, e tal fato não é um paradoxo. Juridicamente, convencionou-se chamar o homicídio cometido entre pessoas que tiveram envolvimento sexual ou amoroso de “passional”, o que se mostra adequado, mas é preciso fazer uma ressalva: paixão não é sinônimo de amor. Pode resultar do amor e, então, será doce e terna, apesar de intensa e perturbadora como toda a paixão, mas pode surgir do sofrimento, do ódio, da mágoa, da cólera, e, então, será destrutiva e cruel.
Evidentemente, quando a paixão motiva o crime, já não existe amor, se é que um dia existiu. Do desejo possessivo-sexual impossível de ser realizado nasce o seu oposto, gerado pela frustração, pela revolta. Sobrevem, então, a vontade de destruir, de vingar-se da rejeição, de punir aquele que não quer mais a relação. Assim, o crime passional é, de regra, homicídio qualificado pelo motivo torpe.
Benedito Ferri distingue duas espécies de paixão: as sociais e as anti-sociais, conforme sejam úteis ou danosas, favoráveis ou contrárias à ordem e ao desenvolvimento da sociedade civilizada. No seu entender, o amor é paixão social, sendo que o ódio, a vingança, a cólera, a cobiça e a inveja são anti-sociais.
O autor de crime passional possui uma ilimitada necessidade de dominar e uma preocupação exagerada com sua reputação. Tem tanto medo de ser traído pela companheira que acaba por perseguir seus passos, suspeitando de tudo e de todos. Não porque esteja preocupado com o relacionamento do casal em si, mas por temer a repercussão social gerada pelo adultério.
O homicida passional não enxerga o mundo como ele é e não respeita a companheira, não reconhece sua autonomia, não a vê em igualdade de condições. Persegue, apenas, sua auto-afirmação. Precisa mostrar que está no comando da relação e sente prazer em causar sofrimento a outrem. É obsessivo, não consegue ser amoroso. Em sua vida sentimental, existem a-penas ele e sua superioridade, sua vontade de subjugar. Do seu ponto de vista, uma separação que não parta de sua própria iniciativa não pode ser aceita. Por isso, ele mata.
A mulher que se sente ameaçada pelo parceiro não deve aguardar passivamente o desfecho desfavorável da relação. Isto é, não pode encarar a agressão, física ou verbal, como um deslize momentâneo, que não se repetirá. É importante evitar que o relacionamento prossiga em bases desiguais e violentas, impedindo-se o recrudecimento de atitudes sexistas.
Os homens agressivos dão sinais de seu potencial destrutivo e isto pode ser notado por suas companheiras. O ciúme excessivo, por exemplo, não é demonstração de amor, mas de insegurança, possessividade, desrespeito, egocentrismo. ( Texto extraído de artigo publicado por Luiza Nagib Elug, procuradora de Justiça de São Paulo, e autora do livro A paixão no banco dos réus, Ed. Saraiva).

Para a psicóloga Henriette Penha Morato, professora do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, Desenvolvimento e Personalidade da USP, o livro “O repouso do guerreiro”, de Christiane Rochefort, explica a intensidade dos crimes cometidos por paixão.
A obra mostra como a simbiose (interação entre duas espécies que vivem juntas) extrema pode destruir ambas as partes de uma relação. “A relação simbiótica dupla é destrutiva. Se eu acabo com a vida do outro, acabo com a minha também”, disse Morato.
De acordo com a Acrimesp (Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo), não há um levantamento preciso sobre o número de casos de crimes passionais. Segundo a professora, os crimes passionais cometidos por homens são, em sua maioria, crimes ligados a uma espécie de honra ferida.