Estados Unidos, Europa e o Banco Central do Brasil (parte final) - Negócios e Empresas

Por Gazeta News

Affonso Celso Pastore Estadao.com.br

À piora do quadro adiciona-se a ausência de instrumentos de política econômica. A Europa também sofre da mesma doença. Não se pode usar a política fiscal nem nos países da periferia do euro, que estão à beira da insolvência, nem nos países economicamente mais fortes como Alemanha e França, porque suas dívidas públicas já são grandes demais. Não há, também, campo para o uso da política monetária voltada a estimular o crescimento, porque o BCE é o banco central de uma união monetária que somente pode cuidar de manter a inflação baixa. Mais ainda, os países que precisam crescer para solucionar seus problemas de dívida soberana não têm moeda própria que possa se depreciar com relação às demais, elevando as exportações e, consequentemente, o crescimento econômico.

Crises de dívida como as da Grécia, Portugal e Irlanda terminam ou com uma reestruturação, ou com uma inflação, que reduza o valor real da dívida, ou com um “default”. A relutância em reestruturar as dívidas e a impossibilidade de solucionar o problema através da inflação, gera o aumento do risco de default. É por isso que os CDS de desses países abrem prêmios tão elevados, mesmo com o Fundo Europeu e o FMI dando recursos para a compra de todos os vencimentos de seus bônus do governo até 2013, e com as compras do BCE no mercado secundário.

Preso a uma moeda única e sem mobilidade de mão de obra o euro só pode sobreviver com uma união fiscal que resolva dois problemas: permita a reestruturação das dívidas impondo regras que impeçam que esses problemas voltem a ocorrer; e uniformize o crescimento, impedindo disparidades tão grandes nas taxas de desemprego. Esta é a “grande solução”, mas significa a perda de soberania por parte de cada país.

Investidores influentes como George Soros lutam pela criação de um “bônus europeu”. Esse instrumento só faz sentido tendo como lastro a arrecadação tributária de um “Tesouro da Europa”, que seria de fato a criação de uma união fiscal. Mas isso eliminaria, ou pelo menos reduziria, a soberania dos países. Não surpreende que haja tanta oposição por aparte dos líderes políticos à criação deste instrumento.

Quando os EUA tiveram sua dívida rebaixada, um investidor com a argúcia de Mohamed El Erian vaticinou que a taxa de juros nos Estados Unidos se elevaria. Mas o que ocorreu foi o contrário. A queda das taxas dos bônus de 10 anos do tesouro dos EUA para próximo de 2% ao ano não poderia nunca ser explicada pelo rebaixamento dos EUA, porque o aumento do risco teria gerado a venda destes bônus, baixando seus preços e elevando a taxa de juros. É um movimento que somente pode ser explicado pelo aumento simultâneo (e independente) dos riscos soberano e bancário na Europa, provocando a venda de ativos europeus e a compra de ativos norte americanos, que continuam tendo um risco menor do que os europeus, apesar do rebaixamento.

Quando este aumento na aversão ao risco cresceu ocorreram fenômenos semelhantes aos ocorridos em 2008. Caíram as taxas de juros em países vistos pelo mercado como “portos seguros”, como é o caso de Estados Unidos, Alemanha e Suíça; elevou-se o preço do ouro; e caíram os preços das ações, porque estes são ativos onde o risco de variação dos preços é muito elevado.

Esta turbulência trouxe a memória dos acontecimentos de 2008. Mas a semelhança para nesse ponto. Qualquer observador atento irá descobrir que os fluxos internacionais de capitais continuam fortes e sadios, tanto que não ocorreram depreciações cambiais dignas de nota em nenhum país emergente, nem há quaisquer sinais de redução em empréstimos bancários. Nem há, também, quaisquer indicações de que o comércio internacional possa sofrer sequer aproximadamente a queda ocorrida em 2008. Não estamos, portanto, diante de canais de transmissão ativos como em 2008, que propagaram a crise para todos os países do mundo.

Até aqui estamos muito distantes do que ocorreu após a falência do Lehman Brothers. Por isso não se pode falar em uma recessão mundial. Este é o aspecto positivo do atual episódio. Apesar da baixa capacidade de crescer dos Estados Unidos, daquele país não vem nenhuma onda de choque que repita algo semelhante a 2008.

O risco de um “evento de cauda” vem somente da Europa. Para que ele ocorra basta que ocorra uma solução desordenada da dívida soberana de algum país, ou que se dispare uma crise bancária. Quando isso ocorrer, e se isso ocorrer, o Brasil seria chamado a uma reação, e neste caso seria muito melhor reagir reduzindo a taxa de juros em vez de fazer uma expansão fiscal, como ocorreu na esteira da crise de 2008.

Mas por mais preocupante que seja o quadro atual ele não justifica uma ação como a que foi tomada pelo Banco Central do Brasil.