Estados Unidos, Europa e o Banco Central do Brasil (Parte I) -Negócios e Empresas

Por Gazeta News

Affonso Celso Pastore Estadao.com.br

Será que o mundo está indo para uma nova crise, como a ocorrida em 2008, que possa afetar sensivelmente o crescimento econômico brasileiro? Para encaminhar uma resposta, vou olhar em maior profundidade para o que vem ocorrendo nos Estados Unidos e na Europa. Mas quero adiantar duas conclusões. A primeira é que a menos de uma “solução” desordenada para a crise de dívida soberana nos países da periferia do euro, que acarrete uma crise bancária, não há como comparar o que vem ocorrendo atualmente no mundo com a “catástrofe” de 2008. Assistiremos a um crescimento mais lento do PIB mundial, mas o Brasil não será obrigado a reagir com medidas extremas. A segunda é que o cenário internacional não justifica o movimento realizado pelo Banco Central na última reunião do Copom.

Comecemos pelos Estados Unidos. Em artigo recente, Rogoff afirmou que esta não é a “grande recessão”, como vem sendo definida pela maioria esmagadora dos economistas, nem uma “grande depressão”, como a de 1929, mas sim a “grande contração”. Esta não é uma questão puramente semântica. Em todas as recessões do pós-guerra, inclusive a de 1983, quando a taxa de desemprego chegou a 11%, decorridos poucos trimestres após a decretação de seu término o PIB já havia superado o pico prévio, e o desemprego já havia retornando à media histórica. No caso da presente “contração” já decorreram mais de oito trimestres desde que o NBER decretou o final da recessão, e o PIB ainda está abaixo do pico prévio, com o desemprego mantendo-se em torno da taxa de 10%, sem perspectivas de declinar nos próximos trimestres.

A grande diferença entre o atual episódio e todas as demais recessões do período pós-guerra está no papel do endividamento das famílias, que desta vez é excessivo, obrigando a uma “desalavancagem” que limita a velocidade de recuperação do consumo. Entre 1960 e 1985, o endividamento das famílias flutuava entre 60% e 70% da renda disponível, sendo ainda menor antes de 1960, mas nos anos de ouro da Grande Moderação, ele literalmente explodiu, chegando a 130% em 2008. Como isso ocorreu? A valorização dos preços das casas e dos ativos financeiros gerou uma sensação de riqueza que levou as famílias a consumirem não somente uma proporção elevada da renda, mas também da renda futura, elevando o endividamento.

Nos Estados Unidos, da mesma forma como ocorreu na década perdida dos anos 90 no Japão, esse endividamento terá que se reduzir. No Japão, foram as empresas que tiveram que reduzir os investimentos para pagar a dívida, e no caso norte-americano são as famílias que têm que reduzir o consumo para pagar a dívida excessiva. Ocorre que o consumo representa mais de 60% do PIB, e dado o seu baixo crescimento, ao lado da estagnação do setor mais dinâmico na saída de todas as recessões prévias - o imobiliário, que continua em crise aguda - não há como acelerar o crescimento do PIB.

“A ficha começou a cair”

Este quadro já era claro há algum tempo para os economistas acadêmicos, mas permaneceu obscuro para os que buscavam analogias entre o atual episódio e as demais recessões. A “ficha começou a cair” com três episódios. O primeiro foi a negociação do limite de dívida, que retirou do governo norte- americano sua capacidade de usar estímulos fiscais adicionais. Com a taxa básica de juros já próxima de zero, a expansão fiscal é o único instrumento eficaz para elevar a demanda, e ele foi perdido, pelo menos até a próxima eleição. O segundo foi o final do QE-2, que removeu um instrumento monetário não convencional que, bem ou mal, vinha gerando algum estímulo. O terceiro foi a revisão dos dados do PIB, que pôs a nu o fato de que a recuperação vinha sendo muito mais lenta do que se julgava.

As projeções de consenso para o crescimento do PIB saíram de taxas ao redor de 3% e 3,5%, no início deste ano, para perto de 1%, agora. Com taxas tão baixas, e considerando a volatilidade natural das taxas trimestrais de crescimento, é perfeitamente possível que tenhamos, em breve, dois trimestres consecutivos de taxas negativas, o que caracterizaria uma recessão mesmo que a média anual seja de 1%. Alguns indicadores mais recentes confirmam esse quadro pessimista. Por exemplo, o índice de confiança dos consumidores de Michigan, que é um bom indicador das variações do consumo, e o índice de atividade da Filadélfia, que é um bom indicador das taxas de variação do PIB, ambos atingiram, no último mês, níveis indicativos de uma recessão próxima.

À piora do quadro adiciona-se a ausência de instrumentos de política econômica. A Europa também sofre da mesma doença. Não se pode usar a política fiscal nem nos países da periferia do euro, que estão à beira da insolvência, nem nos países economicamente mais fortes como Alemanha e França, porque suas dívidas públicas já são grandes demais. Não há, também, campo para o uso da política monetária voltada a estimular o crescimento, porque o BCE é o banco central de uma união monetária que somente pode cuidar de manter a inflação baixa. Mais ainda, os países que precisam crescer para solucionar seus problemas de dívida soberana não têm moeda própria que possa se depreciar com relação às demais, elevando as exportações e, consequentemente, o crescimento econômico.