Exclusivo: Fraudadores fazem vítimas na Flórida

Por Gazeta Admininstrator

Vanessa, segundo a denúncia, chegou a Tampa há cerca de dois meses, e aproximou-se da comunidade brasileira apresentando-se como dentista formada no Brasil. Atendia em domicílio. Contou às suas vítimas que teria sido feito um pacto na maçonaria para ajudá-la a conseguir $70 mil para custear a licença para atuar como dentista nos Estados Unidos. Ao colaborar para que ela alcançasse tal valor, cada família teria o “privilégio” de ser auxiliada pela maçonaria em seus processos de imigração.
Tal “privilégio” só valeria para aqueles que tivessem algum parente na maçonaria. Mas Vanessa, depois, decidiu abrir algumas exceções. Praticamente todas as vítimas entraram nos EUA pelo México. O medo agora as impede de ir à polícia.
Segundo a denúncia apresentada ao Gazeta, a fraude aplicada por Vanessa não se limitou apenas à coleta fraudulenta de dinheiro. As vítimas entregaram a ela cópias de seus passaportes e, em alguns casos, passaportes originais.
A fraude envolvia certos requintes como, por exemplo, a aplicação do que chamou de “testes” em suas vítimas. “O marido dela me disse que a maçonaria faz testes, e que o meu seria conseguir, em 15 minutos, $325,99 para pagar para um maçom do FBI, que aprovaria o processo do meu pai. Ele mandou eu enviar uma mo-ney order (ordem de pagamento) pela Wes-tern Union, com o nome do favorecido em branco. Não estou acreditando que, em 10 anos de América, eu caí nessa. Pensei que fossem mesmo maçons. Foi tudo muito bem organizado. Ela olhava nos olhos da gente e passava muita segurança. Eu confiei porque sei que quando a palavra de uma pessoa da maçonaria é dada, é cumprida. O meu avô é maçom”, diz uma das vítimas que não quer ser identificada.
A fraudadora foi descrita como uma mulher de, aproximadamente, 35 anos, cerca de 1,60 metros, cabelos ruivos encaracolados, com tintura, rosto comprido, dentes grandes e um jeito calmo e simpático de falar. Parece uma mulher honesta.Tem quatro filhos, marido e cachorro. Ela usaria também o nome de Vanessa Soares.
Em Pompano Beach Vanessa Doche abriu, em 2004, em sociedade com Carlos Morais, a empresa Dental King Consul-ting Corp., que foi dissolvida, por falta de atividade, em 2005.

Influência
Como prova de que teria, de fato, influência em vários setores públicos, Vanes-sa mencionava, segundo suas vítimas, o nome de Cleber Silva, que ela dizia ser um promotor público “que levantava a vida das pessoas”. “Ela perguntava de quem eu queria a ficha e conseguia. Ela levantou a ficha de três pessoas, o dossiê inteiro, desde que pisaram aqui. E eram pessoas que tinham mais condições”, afirma uma das vítimas.
Vanessa dizia que o marido seria maçom grau 36. Na hierarquia da maçonaria existem apenas 33 graus. Afirmava também que o marido pertenceria à loja de Pompano. A maçonaria não tem loja em Pompano Beach. Suas vítimas, no entanto, não sabiam disso.

Maçonaria
Procurado pela reportagem do Gazeta, Zigomar Vuelma, mestre da loja Maçônica Eureka North Shore, localizada no condado de Broward, disse que “em momento algum de sua história a maçonaria permitiu que qualquer membro da fraternidade tirasse proveito próprio do fato de ser maçom”. Ele acrescentou que “não existem privilégios e, muito menos, jeitinho”. “O que existe é um dever para com a Nação, com os irmãos e com a comunidade em geral de serem homens de caráter, com moral impecável, de respeitar as leis civis e religiosas dos países onde se encontra”. Vuelma acrescentou que é comum as pessoas falarem como se conhecesem a fraternidade, sem que jamais tenham participado dela. “A ignorância faz com que tudo o que seja dito possa parecer verdadeiro e, pelo fato de pessoas sérias e com prestígio fazerem parte da ordem, é que pessoas inescrupulosas tiram proveito e utilizam o nome da maçonaria para dar credibilidade às falcatruas diárias”, concluiu Vuelma.

Família
Familiares de Vanessa, que vivem na Flórida, afirmam ter perdido o contato com o casal, no ano passado, quando ambos moravam em Orlando.
O irmão de Carlos Morais, por parte de mãe, Paulo José de Oliveira Porto, diz que ele próprio já teve problemas com Carlos, que o teria ameaçado com uma faca e se apropriado de um carro seu. Paulo, que já morou com o irmão e a cunhada, afirma já ter visto um grande número de passaportes na casa dos dois. “Ele trazia passaportes para casa deles. A minha cunhada também. Ela ía para Tampa e voltava com os passaportes. Já teve uns 20 ou 30 passaportes em casa. Eu achava estranho, mas ficava com medo, e acabei saindo da casa deles”, disse Paulo

Jeitinho
O hábito de tentar dar um “jeitinho” para legalizar uma situação ilegal não dá certo.Especializada em direito de imigração, a advogada Iara Morton alerta que o “jeitinho” sempre acaba mal. “Todos os jeitinhos que vi até hoje, sendo perpetrados inclusive por americanos oficiais de imi-
gração, fora detectados e pegos pelas autoridades federais. Muitas vezes já representei, e ainda represento, clientes em processo de deportação, vítimas de “jeitinho”, que não era “jeitinho” coisa alguma, mas sim uma falcatrua. As autoridades estão bastante alertas e interessadas em detectar esses jeitinhos e colocar as vítimas, inocentes ou não, em processo de deportação”, alerta Morton.
A advogada explica que, para quem perdeu o status legal, ou entrou no País pelo México, as únicas forma de legalização, fora o casamento legítimo (para os que entraram com visto), são através de pedido de filho americano, com 21 anos, ou mais, de processo de certificação de trabalho, para aqueles protegidos pela lei 245(i) (o que inclui pessoas que entraram pelo México). Além disso, explica Morton, para aqueles que estão em processo de deportação, existe a tentativa de legalização através do pedido de cancelamento de deportação, caso o imigrante esteja no País há mais de 10 anos, não tenha antecedentes criminais, e tenha filho, cônjuge, ou pais americanos. “Fora isso, não existe outra forma, e qualquer oferta de legalização através disso ou daquilo é fraude na certa”, alerta Morton.

Testes
Vanessa, aparentemente, não apenas levou vantagem financeira como também parece ter se divertido com a fraude. “O que mais me convenceu foram os testes que me fazia passar como, por exemplo, mandar que eu saísse de Tampa e fosse a Pompano Beach, no mesmo dia, encontrá-la levando dinheiro “cash”. Só descobri que era fraude quando um rapaz que também pagou a ela para se legalizar, foi ao médico em Fort Lauderdale para fazer o exame de imigração. Deveria encontrar com ela lá, mas na hora H ela não apareceu. Só três dias depois descobrimos que ela havia sumido com o nosso dinheiro”, explica outra vítima.

Requintes de crueldade
Os requintes de Vanessa chegaram aos limites da crueldade. Segundo afirma uma vítima, para parecer confiável, a fraudadora inventava ter informações privilegiadas. “Ela mandava avisar que o processo de imigração da pessoa havia sido negado e que a Imigração bateria na porta dela, de madrugada, no dia tal, e a pessoa, com medo, saía de casa de madrugada”, conta mais uma vítima.
- Eu já me via dirigindo, com green card. Sonhava com um terreno para fazer uma roça. Minha mãe tem problema de reumatismo, e ficou 15 dias sem poder caminhar. Eu queria a documentação para mim e para os meus pais para ver se conseguia o Medicare – lamenta uma gaúcha que trabalha como empregada doméstica.
Há algumas semanas, segundo a denúncia, Vanessa ficou com um Golf GTI novo e passaporte original de um brasileiro que foi deportado. Ela prometeu a ele que um maçom seria seu sponsor (patrocinador) para que ele retornasse aos EUA legalmente com um visto para trabalhar no Hotel Hilton, em Orlando.

Preços
A tabela de preços de Vanessa era bastante variada. Demonstrava até “conside-ração” com os menos favorecidos. Para o que chamava de “rede peão”, cobrava entre $3 mil e $3,6, segundo suas vítimas. Para os não tão desfavorecidos, o preço podia chegar até a $8 mil, dependendo “da cara do freguês”.
-Meu cunhado passou seis meses em missão no Haiti e nos emprestou o dinheiro. Pagamos $5 mil. O dinheiro veio do Brasil. Agora vamos ter que vender o carro e mais alguma coisa para pagar. Ele ficou seis meses longe da mulher e dos filhos. Temos que pagar”, lamenta um pernambucano que trabalha na construção civil.
Desespero
Uma empregada doméstica valadarense também foi vítima da fraude. Pagou $7 mil. “Esse dinheiro era para pagar a prestação de uma casa que comprei no Brasil. Ago ra vou ter que fazer um acordo para não perder a casa”, diz a mineira.
- No fundo desconfiei, mas depois que conversamos, ela me convenceu. No desespero de querer um documento para ficar legal nesse país, a gente acredita e fica até feliz. Ela disse que era tudo legal, que em três semanas nos chamaria para fazer o fingerprint (coleta de impressões digitais). Disse também que o grupo estava fechado, que não abriria para mais ninguém, só no ano que vem, e que nos procuraria para ajudarmos a levar mais gente porque fomos muito eficientes – lamenta o pernambucano.
A fraudadora enganou também um pastor evangélico, que tem um processo aberto para mudança de status de turista para visto religioso. “Estou lidando com esse problema de imigração há sete anos. Tenho todas as informações de quanto tempo demora, dos procedimentos, passo a passo, e ela, simplesmente, me deu todas as informações, da exata forma que acontece. Ela deixou claro que não era nada ilegal, que passaria o processo de baixo para cima”, diz o pastor, que entregou à fraudadora a cópia de seu passaporte e $4,5 mil. Ficou “devendo” outros $4 mil.
Funcionário do correio norte-americano em Atlanta, Lauro Marques lamenta ter tentado ajudar alguns amigos desesperados por conseguir legalizar a situação da família nos EUA. Os amigos vivem em St. Pettersburgh e teriam entregue a Vanessa $50 mil. Uma das vítimas é também uma pastora evangélica.
- Ela não falava com qualquer pessoa porque o marido não queria, para não envolver muita gente na maçonaria. Uma pessoa amiga pediu para dar o telefone dela para mim. Eu estava querendo ajudar uma família, que acabou não fazendo acordo com ela porque não tinha dinheiro. Mas conheço outras pessoas que fizeram – disse Marques.
Somente em St. Pettersburgh ele relaciona dez vítimas do casal. “Ela está com o passaporte original de todo mundo daqui. Só que eu conheço são dez passaportes. Mas já descobriram que há outras pessoas. Ela também fez isso com hispânicos”, concluiu Marques.

Passaportes
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil informa, em sua página na internet que “a perda, roubo ou furto do passaporte é um fato muito grave, que deve ser comunicado imediatamente ao Consulado. Para a substituição de passaporte perdido, roubado ou furtado, o interessado deve apresentar o boletim de ocorrência emitido pela Polícia local que confirme a perda, o roubo ou o furto, o original ou cópia autenticada no Brasil de sua carteira de identidade brasileira, prova de quitação com o serviço militar (para homens, entre 18 e 45 anos) e prova de estar em dia com as obrigações eleitorais.”
Três dos lesados pela fraudadora afirmam ter estado no Consulado-Geral do Brasil, em Miami para informar sobre seus passaportes, mas saíram de lá, sem uma solução imediata. “Esperávamos que cancelassem os passaportes. Temos medo de alguém usar para alguma coisa errada. Mas disseram que temos que fazer um dossiê e mandar para a Polícia Federal no Brasil acionar a Interpol porque isso deve ser uma quadrilha. Mas até lá já usaram os nossos passaportes para o que quiserem”, lamentou uma das vítimas.
Até o fechamento desta edição a repor-tagem do Gazeta não localizou, por telefone, nenhum representante do Consulado-Geral do Brasil em Miami para comentar o assunto.