Fazer-alma

Por Adriana Tanese Nogueira

meditation-338446_960_720
Segundo o psicólogo americano James Hillman, fazer-alma significa dar substância e significado a tudo em nossa vida, e a cada momento de nossa vida, ou seja, dar sentido, consciência, plenitude, vigor e verdade. Para fazer-alma é preciso diminuir o ritmo e aprofundar a conexão consigo mesmos, os outros e o mundo; enfatizar o ser sobre o fazer e o presente sobre as aspirações para o futuro. Significa abraçar e priorizar a própria vulnerabilidade, humanidade e limitações no lugar da busca pela perfeição, transcendência e transformação. Em outras palavras, se faz alma todas as vezes em que olhamos mais de perto e com mais sentimento as pessoas que povoam nossa vida e ideias, e ao sempre presente horizonte da morte, inescapável para todos. É a atitude contrária a retratada na “síndrome do Peter Pan”, o menino que não quer crescer. O sujeito tomado pelo delírio do ser eternamente criança é como, na verdade, um adolescente parado no tempo, tomado da inflação de onipotência que, portanto, acha que tudo pode e tudo quer, não tem limites e não aceita limites para seu querer. Ele age ou fala sem pensar, falta-lhe a reflexão necessária para evitar repetir os erros do passado, tem expectativas não realistas a respeito de si mesmo, e tem dificuldade em estabelecer e manter uma relação profunda e duradoura. No lugar de se voltar para dentro e ir profundo na vida emocional da própria alma, o puer aeternus, espontaneamente e continuadamente, olha para fora, buscando elogios e significado no mundo externo. A solução para essa condição está na prática do conceito de contenção, que implica limites. Contenção significa conter, segurar, manter parado no lugar de se jogar e atuar qualquer tendência se tenha vontade de agir. O desenvolvimento e crescimento pessoal requerem a capacidade de segurar as próprias energias e emoções para que essas forças psicodinâmicas possam ser experimentadas de forma consciente, e assim conhecidas, compreendidas e assimiladas como aspectos importantes da totalidade do ser de cada um e de seu bem-estar. Hillman faz notar que esse processo de contenção, implícito no fazer alma, só pode ocorrer quando nos abrimos às nossas feridas e aflições. A passagem da alma-caos à alma-canal ocorre graças a quatro específicos saltos: • Da fraqueza e do sofrimento à humildade e à sensibilidade. • Da amargura e do lamento para o sabor de sal e sangue. • Do foco na dor emocional de uma ferida – suas causas, parâmetros, curas – às suas profundezas imaginais. • Do deslocamento do ventre sobre as mulheres e a “feminilidade” para seu lugar nos ritmos corpóreos de cada um. Essa transição da alma-caos à alma-canal se relaciona ao conceito psicológico de anima. A anima é aquela energia que nos inspira ou motiva a refletir sobre ela, a aprofundar, a conter, a conectar com a nossa alma assim como com as dos outros à nossa volta. A anima também anima uma pessoa para que ela se mexa, aja, e expresse suas emoções — uma combinação que transforma eventos que seriam somente mundanos em experiências de alma e de beleza. A anima é a ponte, o canal para o mundo interior e a subjetividade criador, o que nos dá tridimensionalidade e profundidade. Sem anima não acessamos nossa alma e sem alma somos matéria falante sem sentido.