Fernanda Santos: a única jornalista brasileira trabalhando no “The New York Times”

Por Marisa Arruda Barbosa

Fernanda entrevistando policiais na unidade de polícia comunitária em Ciudad Bolívar, um bairro pobre na periferia de Bogotá.

Se as idas e vindas da exigência de diploma para exercer a profissão de jornalismo no Brasil beneficiaram alguém, poderíamos dizer hoje que esta pessoa é a baiana de Salvador, Fernanda Santos, que hoje, aos 39 anos, é chefe de redação do “The New York Times” em Phoenix, onde cobre os estados do Arizona e Novo México.

Quando descobriu sua paixão pelo jornalismo, Fernanda já havia se formado em Comunicação Social pela PUC-RJ, com especialização em publicidade, e não tinha vontade alguma de voltar para a faculdade por mais dois anos para aprender teoria. Ela queria ir para a prática.

“O jornalismo é algo que você aprende muito mais na prática do que na teoria, e vejo que os cursos no Brasil são muito teóricos”, avalia.

Depois de formada, seu primeiro trabalho foi como repórter para a revista “Odebrecht Informa”, para a qual viajou por todo o Brasil e América do Sul. Naquela época, o Brasil exigia diploma de jornalismo para exercer a profissão, o que tornou praticamente impossível que Fernanda fosse contratada por um jornal, mesmo sendo qualificada e com a prática adquirida trabalhando na revista.

Como sempre em sua vida, Fernanda aproveitou isso a seu favor e acabou realizando seu desejo de um dia morar no exterior. Ela pesquisou cursos de mestrado em jornalismo nos Estados Unidos, e acabou escolhendo Boston como destino. Em 1998, começou a cursar um programa de mestrado com duração de um ano em jornalismo impresso na Boston University.

“Escolhi Boston primeiro por ser uma cidade que nunca fui. Segundo, pelo ambiente

universitário”, conta a baiana que trabalhou em dois jornais em Massachusetts depois do curso.

Logo que chegou aos Estados Unidos, Fernanda notou que seu diferencial estaria no investimento no espanhol, além do português. “Apesar do crescimento da população hispana no país, o número de jornalistas falando espanhol ainda não é muito grande para acompanhar esta expansão”, disse.

“Eu sempre tive cara de pau e chegava aos lugares falando espanhol mesmo que falasse errado”, disse. “Eu pedia que me corrigissem. Podia ser alguém sem nenhuma formação, mas ele sabia muito mais algo que eu não sabia: o espanhol”.

Fernanda conta que sempre foi consciente de seus limites e sempre aprendeu a redefini-los com o tempo. De repente, vivia em um país onde era parte da minoria, às vezes cobria cidades sem nenhum imigrante, onde ela era “a diferente”, com sotaque e dificuldades de escrever. Depois de suas matérias serem publicadas, ela sempre pedia para seu editor explicar por que mudou uma frase ou fez uma correção.

“Eu acredito bem naquilo que se diz que quem se esforça alcança, não os sonhos necessariamente, mas avança na vida”, disse.

Ela foi aproveitando suas limitações a seu favor e moldando o que a faria única, nunca tendo medo de ouvir não, palavra que ouviu muitas vezes. Mas a baiana, que nunca perdeu seu jeito expressivo de se comunicar, dificilmente aceita um não.

Em 2002, Fernanda mudou-se para Nova York para trabalhar no tabloide “Daily News”. Um dia, uma amiga sua que trabalhava no “The New York Times” a indicou a uma editora do jornal. A editora disse que gostou de seu perfil, mas só precisava saber se ela sabia escrever. Escrever bem, ela escrevia, mas a editora queria dizer bem o suficiente para um dos jornais mais respeitados no mundo.

Fernanda então resolveu largar seu emprego, em 2005, e fazer uma reportagem especial dentro de um Fellowship Program, na qual investigou as razões que levaram à queda de 50% no índice de crimes violentos em Bogotá. Ela passou dois meses em Washington e dois na Colômbia.

Quando regressou, foi contratada pela revista People e, de lá, foi para o “New York Times”, prova de que demonstrou que, além de saber escrever, definiu bem o que tinha de único, tornando-se não só a “primeira jornalista brasileira no New York Times”, mas uma representante da cultura latina. Em sete anos, Fernanda já cobriu um pouco de tudo: crime, educação, política, bem-estar social, imigração e negócios. Em maio deste ano, assumiu a chefia da redação do jornal em Phoenix, onde tem um home office e faz viagens constantemente. Sua vontade é de trabalhar com cobertura de América Latina, e esse período no Arizona poderá servir como mais um degrau em sua ascensão profissional.

Fórmula Fernanda conta que sempre recebe e-mails de estudantes de jornalismo dizendo que o sonho deles é de um dia trabalhar no “New York Times”. Ela brinca que se soubesse a fórmula já teria patenteado e estaria milionária.

“Meu sonho nunca foi trabalhar no ‘New York Times’. Isso era tão fora do meu alcance que nem perdia o tempo sonhando”, conta. Mas Fernanda, misturando coragem com risco calculado, foi construindo sua carreira e tornou o sonho de muita gente a sua realidade. “Cada um é único, o que faz o jornal rico e interessante. Nos Estados Unidos, as pessoas tendem a se encaixar em um molde”.

“Há sete anos, quando comecei no ‘New York Times’, talvez eu não fosse tão confiante quanto sou hoje. Não que hoje eu seja muito confiante. O jornalista é um eterno inseguro, e acredito que isso é o que nos faz melhor a cada dia”, diz Fernanda.

Saudades Como boa imigrante, Fernanda diz que hoje, mesmo casada com um americano, vivendo no Arizona e com uma filha de três anos, quando diz que vai para casa, esse lugar continua sendo o Brasil. Há 14 anos nos Estados Unidos, Fernanda diz que ainda tem sonhos de um dia voltar – se for para ser, é claro. Deu o nome de Flora à sua filha, um nome que funciona bem tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.

“Se eu pudesse dar uma mensagem para os brasileiros que vivem nos Estados Unidos, seria: mantenha a ética de trabalho dos americanos e o gosto pela vida do brasileiro”, conclui. “Eu nunca mudei a forma que me expresso, só mudei o idioma”.