Filho, patrão e consumidor

Por Adriana Tanese Nogueira

pai e filho

A sociedade atual encarna uma cultura ainda fortemente marcada por traços patriarcais e machistas que infelizmente muitos homens assumem como próprios, projetando assim longas sombras doentias sobre seus casamentos.

No âmago dessa cultura, a mulher é vista essencialmente em três papéis: ela ou é mãe, ou é doméstica, ou é puta.

Como mãe, ela acalenta, acolhe, está sempre disponível, dá atenção, é paciente e tolerante. Como doméstica, ela cuida de roupa, comida, bagunça; ela organiza e arruma. Como puta, ela está pronta para o sexo toda vez que ele desejar. Três papéis numa pessoa só. E de graça.

A tristeza dessa realidade é dupla. Por um lado, estrangula a mulher em papéis limitantes que anulam sua subjetividade: o que ela quer, sente, pensa? Quem quer saber? Quem a escuta? Ela é de fato mera apêndice, lua que é visível porque iluminada pelo seu sol, sem real autonomia e independência.

Por outro, esses tipos de relação inibem o próprio desenvolvimento masculino porque para o homem significa que ele se posiciona diante de uma mulher somente na qualidade de filho, patrão e consumidor. Como filho ele é o filhinho da mamãe, que, porque é amado (e tem dinheiro), espera ser atendido, servido e obedecido (a mulher nunca deve estar cansada ou ter coisas mais importantes).

Como patrão, ele se sente como o latifundiário que pegou a nega escrava na casa grande e, tendo-a salvo da rua, espera dela gratidão e servidão. Como consumidor, ele quer ser satisfeito nos termos e nos tempos que mais lhe agradam.

Na realidade atual dos casais encontramos uma gradação desses traços que vai do mais leve ao mais pesado. A cada geração há mais homens mutantes, mas ainda estamos mergulhados no sistema patriarcal. De fato, quanto mais poder social e econômico o homem tiver, o que geralmente se relaciona também ao poder de sua personalidade, mais ele estará identificado com o sistema (que lhe dá o poder) e mais próximo estará do modelo acima.

O homem filho desse sistema não sabe, portanto, o que é uma relação com uma mulher porque ele sequer sabe o que é uma mulher. Para isso, ele teria que valorizar o feminino independentemente de sua satisfação egoística.

Para valorizar o feminino, ele teria que tirar um pouco de valor de tudo aquilo ao qual dedicou sua vida: status e dinheiro. Significaria descer do pedestal e reconhecer algo difícil para qualquer um que tenha se dedicado só ao trabalho e ao poder (dinheiro e status): ou seja, que a vida é vazia sem relações, sem intimidade, sem companheirismo. Significaria reconhecer que filhos precisam de presença, tempo e atenção, que não basta dar dinheiro.

Significaria aceitar que as emoções não se administram na base de álcool, carro, sexo e amigos. Haveria de ter a humildade de reconhecer que é preciso cuidar do corpo, dos afetos, dos outros, da terra, dos animais – ou seja, que é preciso ouvir o coração e arcar com as consequências porque quando se ouve o coração se sente a dor que nele está.

Esta é a dor da alma que calou sua verdade. Verdade que emerge quando se olha nos olhos quem se ama de verdade. O que leva a desnudar-se diante do outro – este outro que é diferente, complementar e transgressivo: a Mulher. É transgressivo um homem se abrir de alma para uma mulher, para o outro, para o diferente, porque quando essa abertura ocorre de verdade ele descobre o Outro dentro de si, e então nunca mais será o mesmo.