Flórida: foi aqui que a crise começou

Por Gazeta Admininstrator

George W. Bush, ao prometer ajuda aos afetados pela crise do setor de crédito imobiliário norte-americano, admitiu a gravidade da crise na maior economia do mundo. A Flórida, estado conhecido internacionalmente por suas palmeiras, imobiliárias e tubarões, foi o primeiro no qual a crise deu sinal de vida, em meados de 2006.

Como milhares de cidades que levitam por conta da magia de uma bolha internacional no mercado de imóveis, de Dublin a Madri, de Liverpool a Xangai, Miami se tornou uma selva de guindastes de construção e prédios em obras. Mas o que aconteceu na Flórida é que os apartamentos recém-cons-truídos não encontram compradores.

No centro de Miami, os quatro gigantescos blocos de apartamentos cuja construção deve ser concluída na metade de 2008, de acordo com as previsões, duplicarão para 12 mil unidades a oferta de apartamentos disponíveis na área - conhecidos como condos. Entre 2006 e 2011, o número total de apartamentos novos que chegará ao mercado atingirá os 24 mil.
Mas, segundo um corretor de imóveis de Coral Gables, o ritmo atual de vendas vai demorar 64 anos para que a oferta seja absorvida. Nas agências imobiliárias de Miami Beach, há anúncios dirigidos a compradores europeus e asiáticos, na expectativa de que o valor baixo do dólar sirva para compensar as más expectativas do mercado.

A Flórida já havia se despedido da festa do mercado residencial e da moda do flipping - a aquisição de imóveis para reforma e revenda - antes da crise do mercado de crédito imobiliário de risco, ou subprime, que gerou uma contração na liquidez dos mercados financeiros. As vendas de residências na Flórida caíram em 31% em 2006, depois de anos de alta na casa dos dois dígitos.

No estado, a especulação era endêmica nos anos mais aquecidos do mercado. De acordo com uma reportagem do jornal Miami Herald, entre 30% e 70% dos compradores dos 25 mil apartamentos que foram postos à venda em 2006 “são especuladores, ou seja, compram com o objetivo de vender rapidamente”. Os bancos colocaram ainda mais lenha na fogueira com a oferta de hipotecas de 100% do valor do imóvel, sem entrada, e com estruturas de juros construídas para atrair o interesse dos especuladores, já que as taxas eram muito baixas nos meses iniciais da hipoteca e subiam gradativamente mais tarde. Tudo isso com o objetivo de animar imigrantes e outros compradores de baixos salários e históricos de crédito desfavoráveis a adquirir uma casa.

Mas agora, os bancos se deixaram contagiar pelo ataque de nervos que paralisou os mercados de dívida nas últimas três semanas, forçando bancos centrais de todo o mundo a uma série de injeções de liquidez nos mercados. Conforme o Gazeta já informou, de acordo com um levantamento do setor imobiliário da Flórida conduzido pelo Miami Herald, os bancos passaram a ser muito mais exigentes com os compradores de residências. Pedem mais dinheiro de entrada, exigem históricos de crédito superiores, estabelecem fundos para garantir a capacidade de pagar seguros e impostos, e uma série de outras exigências.

O Washington Mutual, o banco de crédito imobiliário número dois em Miami, com 6% do mercado de hipotecas, atrás apenas do Countrywide, com 11,5%- adotou requisitos muito mais severos para a concessão de créditos imobiliários, especialmente no que tange aos seguros e im-
postos. O Countrywide também alegou que, caso continue a enfrentar dificuldades na hora de reciclar seus créditos no mercado secundário, devido à compressão de crédito, adotará normas ainda mais severas para a concessão de crédito hipotecário.

Tudo isso, evidentemente, conduzi-rá a um desaquecimento da demanda por residências e gerará um problema de excesso de oferta no mercado. Assim, a moradia, em lugar de ser um ativo permanente em alta que permite que seus proprietários se endividem mais para adquirir outros bens de consumo, se transforma em peso patrimonial. Cerca de 16% dos automóveis vendidos na Flórida em 2006 foram vendidos por meio de contratos de crédito vinculados ao valor das residências dos consumidores. Agora, Detroit pode esperar um efeito negativo sobre suas vendas, na região de Miami.

De acordo com cálculos do Wall Street Journal, os empréstimos dos bancos a construtores de edifícios residenciais cresceram de US$ 8,4 bilhões em 2003 a US$ 31,3 bilhões em 2006. Mas nos últimos meses cada vez mais compradores têm atrasado as prestações de suas propriedades, e agora estão à procura de outros métodos de quitar suas dívidas ou cancelar seus contratos de compra. Isso causa aperto aos incorporadores de imóveis.
Normalmente, uma incorporadora quita suas dívidas no momento em que a construção das unidades se encerra. Mas há cada vez mais casos de inadimplência ou de atrasos de pagamento de parte das incorporadoras, e cabe aos bancos arcar com o prejuízo.

Miami representa um caso extremo, mas o perigo de um excedente de oferta de residências de dimensões monumentais é comum a todo os países, para os bancos e incorporadores imobiliários, e atinge especialmente cidades como San Diego, Washington e New York. O número de apartamentos cresceu em 150% nos Estados Unidos em escala nacional, nos últimos quatro anos, e tudo indica que haja um excedente que pode ser comparado ao excedente de imóveis para escritórios que provocou o colapso imobiliário do final dos anos 80, com a quebra de diversas instituições de poupança e empréstimos imobiliários.