Carmem Gusmão: Folhas amarelas

Por Carmem Gusmao

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Essa é a primeira coluna que escrevo aqui da Califórnia. Escrevo de frente para uma janela, onde vejo as folhas amarelas caindo lentamente, transformando as árvores da minha rua, árvores que pintei e ainda pinto, em árvores nuas, cheias de galhos que parecem correr em direção ao céu.

Fiz várias séries dessas arvorezinhas durante meu fazer artístico e, várias vezes, fui questionada sobre o porquê de pintar árvores mortas ou tristes. Na realidade, nunca as vi dessa maneira. Minhas árvores são despidas, puras e as retrato num momento de mudança, porque depois do inverno sempre vem a primavera e elas estão prontas para receber folhas novas, para darem frutos e folhas. Assim somos nós, num eterno ritual de arrancar as  folhas velhas e esperar pelas novas.

Quando comecei a pintar, há quase quarenta anos, frequentei durante alguns meses um curso de arte. Minha professora, Célia Alvarenga, trazia paisagens e pinturas de mestres conhecidos para que pintássemos. Curiosamente, todas as paisagens eram de coisas que não existiam na minha realidade. Paisagens cheias de pinheiros, árvores gigantescas e frondosas e/ou enormes montanhas cheias de neve, tudo muito diferente do meu Brasil tropical.

Sempre fui sonhadora e romântica ao ver aquelas casinhas amarelas ao pé de uma montanha coberta de neve, com árvores despidas e um chão coberto de folhas amarelas. Muitas vezes, na pintura havia também uma minúscula figura de mulher com um suéter vermelho olhando, de uma sala cheia de luz, as folhas caírem ao lado de fora. Confesso que muitas vezes me transportei para o quadro e construí castelos imaginários de como seria minha vida ali.

Definitivamente, a vida imita a arte e cá estou, numa cidadezinha cercada de montanhas, onde as estações são definidas e, finalmente, posso viver ao vivo e a cores esse inverno dos quadrinhos das minhas aulas de arte na ensolarada, quente e querida Governador Valadares.

Hoje, senti-me verdadeiramente aquela mulher do suéter vermelho. Tomei meu café olhando para as montanhas, descobri uma igreja católica de Santa Catarina pertinho da minha casa, atravessei uma ponte antiga, assisti a missa, voltei caminhando - sempre olhando e fotografando mentalmente todas as ávores nuas que me davam ‘bom dia’ jogando folhinhas amarelas para eu pisar, num gesto de agradecimento antecipado por saberem que serão as estrelas dos meus próximos quadros!

Essa coluna originalmente seria sobre os mais importantes pintores vivos, numa lista feita pela revista “Vanity Fair”, mas enquanto escrevia, ouvi o barulho das folhas caindo e me dei conta de como as coisas simples podem ser mais importantes do que listas que dependem unicamente do poder de quem tem a regra do jogo.

Hoje eu consegui realizar um desejo da grande lista da minha vida. Por algumas horas, virei a minúscula figura de suéter vermelho sentindo um prazer inimaginável com um simples e singelo ato da natureza!

Tenham uma linda semana. Que seus caminhos sejam forrados de folhas amarelas para dar boas-vindas as que virão!

Beijos e much love!