Gene de Souza entrevista Maria Bethânia com exclusividade para o Gazeta Brazilian News

Por Gene de Souza

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A entrevista com Maria Bethânia foi conduzida por Gene de Souza, colunista do Gazeta Brazilian News e apresentador do programa Café Brasil na 88.9FM WDNA.

Gene de Souza: Já se passaram 22 anos desde sua última apresentação aqui em Miami, e o público está ansioso para o show. O que você diz sobre isso ?

Maria Bethânia: Conheço pouquíssimo dos Estados Unidos, mas o que eu gosto dos Estados Unidos é Miami. Sempre adorei. Acho uma cidade luminosa. Ela tem um estilo de vida, um jeito especial. Não estou nem falando dessa coisa Latina não. Eu falo do jeito da cidade, da beleza da cidade, de como ela é construída. Aquilo me comoveu muito - as marinas. Já deve ter crescido muito e talvez perdido aquele ar interiorano (risos). Mas a cidade é linda. Quando eu fui eu adorei.

GS: Você agora está finalizando a turnê do DVD e CD ao vivo “Amor, Festa, Devoção”. Como você chegou a esse nome lindo para o projeto?

MB: Esse espetáculo é dedicado à minha mãe. Esses três elementos, essas três palavras tão ricas, tão fortes, são palavras de ordem de minha mãe durante toda vida. Então para ela a vida é uma benção tão extraordinária que tem que ser vivida, quer dizer, realizada com amor, com festa e com devoção. Ela é muito religiosa. Ela amou perdidamente meu pai. Foi um casamento belíssimo, uma paixão mútua deslumbrante - oito filhos. Então ela viveu todo esse lado. Vive o lado de devoção dela à Nossa Senhora da Purificação, nossa padroeira. Ela é quem prepara as festas em fevereiro. Ela é quem sempre nos ensinou tudo isso. E festa, ela gosta muito que tudo seja festejado. Ela acha que a vida merece ser festejada.

Como o espetáculo é dedicado a ela, eu então escolhi estas três palavras para colocar como título, “Amor, Festa, Devoção” , que pra mim são ensinamentos dela. Ela é fora do normal, fora do comum, e não tem ninguém como ela.

GS: E o repertório do show tem mudado?

MB: O repertório é basicamente o mesmo. Apenas após dois anos de turnê no Brasil, fora do Brasil, na Europa, é natural que algumas canções sejam trocadas por outras do mesmo sentido. Mas o roteiro, a linha de dramaturgia segue, não mudou. Também tem meu desejo de cantar outras canções depois de dois anos e meio de cantar as mesmas. Tenho vontade de trocar um pouco. Então, eu às vezes mudo, coloco alguma coisa que eu sinto falta naquela hora. Quando eu fiz dois anos e meio atrás, eu não queria, mas agora, às vezes eu quero. Agora quero cantar “Terezinha”, “O Ciúme”, e vou cantar. Então sempre tem umas coisas assim, mas o roteiro básico continua igual ao DVD.

GS: Você é conhecida como “a intérprete” da música popular brasileira. Como você vê esta função? Como você se aproxima de uma canção para depois interpretá -la?

MB: A profissão se chama cantora, mas eu sou uma intérprete, muito mais que uma cantora. O meu trabalho criativo, o meu trabalho de assinatura como artista é quando eu recebo uma canção de um compositor, ou a escuto nas rádios, cantada por outro artista. O meu trabalho é ver como eu lerei aquela música, como meu coração vai compreender aquela música, como meu raciocínio vai acompanhar aquela música. Lógico que tem uma parte técnica, você tem que aprender e se adaptar a canção. E depois vem o momento de criar, que eu chamo de assinatura. Quando eu interpreto, puxando para a teatralidade, eu preciso, por causa desse jeito meu de me expressar. Eu preciso ter uma linha de dramaturgia por baixo de tudo que eu faço. Então nao é um espetáculo só de música. Tem um roteiro, uma consequência, uma coisa que chama a outra, que chama a outra. Como se fosse o enredo de teatro. Por isso eu sempre trabalho com pessoas de teatro: diretores, cenógrafos, iluminadores. Acho que você não encontrará na minha história, nesses 46 anos de carreira, um disco ou um show meu que não tenha uma orientação de alguém de teatro, que seja puramente musical – é difícil que isso aconteça. Eu não sou atriz, mas além de cantar, de ter a melodia, de interpretar aquilo, a palavra, para mim, tem um significado muito importante. Eu gosto de trabalhar com a palavra em todos os sentidos. Eu esgoto a palavra quando eu vou fazer uma canção.

GS: Um dos grandes compositores que você tem gravado desde o inicio é o seu irmão Caetano Veloso. Como é esta relação de irmão e também de artista entre vocês dois?

MB: Não temos a menor obrigação como artistas de concordarmos com o que um ou o outro faça. Nós somos irmãos de sangue e fomos criados juntos. Fomos muito unidos, nós todos, os oito, mas eu e Caetano somos os últimos. Caetano tem quatro anos a mais que eu. Foi ele quem me ensinou a andar, a subir em árvore, a brincar de cantar, brincar de fazer teatro, brincar de tudo. Caetano foi um orientador da minha vida. E depois na adolescência e na juventude, ainda na Bahia, ele começou a enxergar em mim um potencial artístico e começou a me chamar a atenção para todo tipo de arte: dança, cinema, música, teatro. Então ele como era o irmão mais velho, podia me levar. Minha mãe e meu pai permitiam que ele me levasse para assistir espetáculos, ensaios. Fizemos curso de dança juntos. Até a minha vinda para o Rio de Janeiro em 1965, quando eu tinha 17 anos, foi ele que veio me acompanhando. Meu pai só permitiu com esta condição. Eu era uma menina de 17 anos, 46 anos atrás realmente “menina era menina”. Não como hoje, que já e mulher, já e mãe. Chegando aqui no Rio, o sucesso do “Opinião” , onde eu estreei como profissional, foi imediato e muito grande, foi logo nacional. Então Caetano tinha a vida dele, noiva, estudava, e quis voltar para vida dele real. Então ele voltou e eu continuei na minha profissão como cantora. Meus pais permitiram e eu fiquei trabalhando e fazendo turnê por todo o Brasil. Caetano continuou fazendo as coisas dele até que ele também veio para o Rio e São Paulo, junto com os outros baianos e começaram carreira sozinhos. Na Bahia cantávamos juntos, mas aqui foi cada um com sua carreira solo. Caetano sempre compôs lindamente. Ele junto com Chico Buarque são os compositores mais importantes na minha vida. Certamente os dois têm mais canções gravadas por mim. Caetano não me mostra todas as músicas que ele faz. Nem obrigatoriamente eu tenho que consultá-lo para saber se esta ou aquela canção eu devo ou não cantar. Temos completa independência e liberdade e respeito mútuo. Sempre que eu ouço uma canção dele que eu não tenha cantado, eu tenho vontade porque ele é um excelente compositor, mas sem obrigatoriedade da fraternidade (risos).

GS: Então como foi o início dos anos 70 e o tropicalismo?

MB: Caetano criou o tropicalismo e eu não quis participar diretamente. Eu participei paralelamente, cantando as canções, mas sem fazer parte do grupo. Esses elos todos muito musicais e sei lá o que, eu não consigo me adaptar. Eu sou muito solitária. Minha criação é muito minha. Nasci assim.

GS: A canção “Baby” foi oferecida para você gravar?

MB: Não, fui eu quem pedi a Caetano para ele fazer esta canção. Foi na época que começaram a usar camisetas com alguma coisa escrita, aqui no Brasil pelo menos não existia antes. Tinha coisas escritas tipo “Eu te Amo” ou “Eu Amo Nova York”. Eu vi alguém com uma camiseta assim e achei aquilo muito bonito. Falei “Olha, Caetano, uma camisa escrita, uma roupa com uma coisa escrita. Faz uma música falando ‘eu te amo’.” Acho bonito isso das pessoas usando uma coisa dizendo “eu te amo” e as pessoas leem isso em você. E ele fez esta canção do jeito que ele entendeu.

GS: Você acha que esta geração sua dos anos 70 foi especial?

MB: Uma geração mágica mesmo: Chico Buarque, Caetano, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Torquato Neto, Edu Lobo. Realmente uma geração fora do comum, gente. Só teve gênio. Acho que os plantas se alinharam, Deus estava com boa vontade e a terra devia estar mais fértil (risos). Mas as dificuldades também existiam. Sempre que tem dificuldade, a criação supera. Nós todos somos da geração do AI-5, da ditadura militar brasileira. Nos tínhamos que respirar de qualquer modo e isso estimula muito a criatividade.

GS: Qual é o seu recado para o público da Flórida, que está ansiosamente aguardando o show do dia 11 de novembro?

MB: Tudo vai dar certo aí, vai correr em paz e vou fazer um bom trabalho. Tenho muita saudade dessa cidade e faz muitos anos que não vou. Eu não gosto mais de viajar e gosto mais de ficar na minha casa. Eu recusei fazer show em Nova York e aceitei fazer em Miami, puramente por saudade, por vontade de rever essa cidade.

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Maria Bethânia Sexta-feira, 11 de novembro às 8PM Fillmore Miami Beach at the Jackie Gleason Theater 1700 Washington Avenue, Miami Beach, FL 33139 Ingressos: $40 - $100 disponíveis pelo Ticketmaster.com, ou através do número 1-800-745-3000, ou na bilheteria do teatro.