Gestação e parto como ritos de iniciação - Viver Bem

Por Adriana Tanese Nogueira

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Falar da gestação e do parto como ritos de iniciação não é clichê. Também não se trata da evocação de conhecimentos esotéricos ou de misteriosa sabedoria ancestral do corpo feminino. É muito mais do que isso, é algo tangível e diretamente experimentável por qualquer mulher.

Um rito de iniciação tem a função de iniciar a alguma coisa. É um conjunto de práticas e comportamentos que marcam uma virada na vida da pessoa que por ele passa. Após a iniciação, nada será como antes.

O movimento internacional pela humanização do parto, conhecido nos Estados Unidos como “natural birth”, versão reducionista de um conceito muito mais amplo, surgiu nos anos 80 a partir das novas descobertas científicas sobre o que é realmente bom para mãe e bebê. A nova perspectiva, desconcertante para muitos ainda hoje, é que uma mulher ativa durante o parto faz o parto menos doloroso, mais rápido, mais seguro e feliz! Ser “ativas” significa ter liberdade de movimento, seguir as próprias intuições e as necessidades que vêm do corpo, decidir sobre quem vai estar no parto e onde este vai acontecer. Enfim, uma mulher “empoderada”. O parto da grávida-paciente, levada para a sala parto na cadeira de rodas é o parto doentio de uma sociedade doente que produz experiências mutiladas. Claro que a mulher vai estar feliz por ter seu filho nos braços, mas qual vai ser o preço? Um parto ativo promove uma maternidade ativa. A enxurrada de hormônios que é liberada durante um parto natural e respeitado é o melhor início de vida que se possa desejar.

Com a gravidez, o corpo feminino mais do que nunca tem a oportunidade de passar de “objeto estético” a organismo vivo, falante e expressivo. A maior sensibilidade da mulher grávida exige atenção. É preciso prestar ouvidos à própria corporeidade antes mesmo de ouvir as demandas do outro, marido, médico e sociedade. O corpo sabe. Nele estão guardadas as emoções e os sentimentos que a mente racional corriqueira não inclui ou ignora. Eis aqui uma primeira iniciação, uma verdadeira reversão dos valores modernos que visam calar o corpo e domesticar as emoções através de vários expedientes, desde o trabalho obsessivo, até remédios, diversões padronizadas e banalizadoras.

Ausculta amorosa Com a ausculta amorosa de sua interioridade física e emocional, a mulher terá mais força para enfrentar a mentalidade coletiva que a quer submissa ao que é aceito e considerado “normal”. Para muitas mulheres esse confronto começa dentro de casa, com o próprio companheiro. Para outras, se trata de armar um escudo protetivo com relação à família de origem ou àquela do marido. Saber permanecer firme no caminho que é sentido como o melhor para si, quando em volta tudo conspira contra, é um aspecto importante do rito de passagem atual. Diferenciar-se do coletivo é, por excelência, a marca do caminho de individuação pessoal. Requer caráter, firmeza e autoconfiança.

A humanização do parto valoriza a intuição da mãe, o sentimento que vem de dentro dela sobre o que ela sente como bom para si e seu bebê – muitas vezes essa intuição está amparada pelo material científico que se pode encontrar na internet. Não advocamos que ela compita com o profissional de saúde sobre aspectos técnicos, mas que recupere os saberes básicos e elementares sobre o parto. A alienação psicológica e cultural do próprio corpo se expressa na ignorância frente à fisiologia da gestação e do parto, o que a leva a depender totalmente do parecer médico, sempre orientado para a patologia. A alienação dos processos físicos femininos se torna uma autossabotagem involuntária.

a dúvida maldosa, a ironia e a chantagem Inevitalmente, a relação com a autoridade passará por profundas alterações. Uma mulher consciente do que é melhor para si poderá ter que enfrentar a reprovação, a pressão, a dúvida maldosa, a ironia e a chantagem. O argumento do que é “melhor para o bebê” é um dos mais usados, traindo o machismo do qual nasce. Esta expressão de fato se baseia da ideia de que a mulher grávida, que carrega em seu corpo um bebê, é irresponsável e leviana, sendo capaz de submeter a vida do filho a riscos desnecessários (como se sua própria vida não estivesse também em jogo).

A promessa que este processo carrega é um início de maternidade consciente e madura, pronta para a jornada que tem pela frente. Não se trata mais só daquela barriga que cresce e da vida que corre o mais possível “como antes”, deixando que os nove meses transcorram mudos e passivos. Trata-se de encarar a maternidade como um crescimento pessoal feito de desafios, de tomada de atitudes e de despertar da consciência. Ser mãe é para sempre e envolve inúmeros desafios. Melhor começar com o pé direito.

Quando a mulher se entrega à maternidade com esta atitude ativa, ela está aberta a perceber todo o aprendizado que a experiência implica. O amor incondicional que damos ao nosso filho é espelhado por aquele que damos a nós mesmas ao nos reencontrarmo-nos com o que vem de dentro de nós. E vice-versa, o amor que conseguimos dar é na exata proporção àquele que conseguimos liberar de dentro de nós, ao superar nossos traumas, dificuldades, problemas insolutos, dúvidas contraproducentes, baixa autoestima, etc.

Eis como resumiríamos as conquistas do moderno ritual de passagem que a humanização do parto exige. Resgatamos-nos, assim, do lugar histórico de procriadoras e passamos àquele pioneiro de criadoras. A humanidade do futuro está em nossas mãos, melhor, em nossos ventres. Sua qualidade ética depende de nossa consciência, ciência e comprometimento.

**Grupo de grávidas e casais grávidos livre terça-feira, 1º de julho, às 7pm, em Boca Raton**

*Adriana Tanese Nogueira é psicanalista e life coach www.ATNHumanize.com