Gordura tem elo com fertilidade feminina

Por Gazeta Admininstrator

Os gregos antigos e os renascentistas é que sabiam das coisas. Talvez as gordinhas hoje não estejam no auge de sua popularidade, mas cientistas dizem hoje que suas barriguinhas podem ter uma ligação direta com a fertilidade. Em testes feitos com camundongos, o grupo de Jerold Chun, do Instituto de Pesquisa Scripps, na Califórnia, mostrou que um único lipídio (molécula de gordura) está ligado a uma fase crucial para o sucesso da gravidez.

É a chamada implantação do embrião, fase na qual ele se fixa no útero. Se, uma vez fecundado, o embrião não consegue se prender à parede do órgão, a gestação não progride. Acontece que essa implantação só é bem-sucedida quando embrião e útero estão "na mesma página", ou seja, sincronizados em suas respectivas fases de desenvolvimento.

É essa falta de sincronismo, por exemplo, que dificulta tanto o sucesso nos procedimentos de fertilização in vitro, em que o óvulo é fecundado por um espermatozóide em laboratório e depois é devolvido ao corpo da mulher. A incerteza faz com que os médicos implantem vários embriões, na expectativa de que pelo menos um consiga se fixar corretamente.

A nova descoberta, feita com camundongos, é que um receptor (uma fechadura química celular) chamado LPA3 -molécula que se encaixa justamente com um lipídio chamado LPA- tem uma ligação crucial no processo de ativação do sistema de preparação do útero para implantação.
O achado pode representar um alvo para o desenvolvimento de drogas e tratamentos, que podem beneficiar não somente as mulheres que pretendem ter filhos usando fertilização assistida mas também as que tentam as técnicas "convencionais".

"É possível que isso melhore a fertilidade em gestações naturais também", disse Chun à Folha.

Sabedoria antiga?

"Talvez um modo de pensar nisso seja notar as estátuas e imagens de uma fêmea fértil idealizada --por exemplo as da Grécia helenística ou provavelmente de antes--, em que as mulheres são representadas gorduchas, não como as modelos da moda de hoje", prossegue o pesquisador. "A gordura corporal contribui positivamente para a fertilidade. Aqui está um exemplo: um único lipídio age sobre um único receptor e afeta a fertilidade. Não seria surpreendente descobrir que a barriguinha contribui para esse mecanismo LPA, embora não tenhamos provado isso", diz.

A descoberta foi feita a partir da modificação de camundongos fêmeas. Os cientistas foram "desativando" um a um os receptores de lipídios nos animais para ver o efeito após a gravidez. Os receptores LPA1 e LPA2 não causaram grande impacto (no que diz respeito à gravidez, embora tenham feito outros estragos), mas o LPA3 sim, afetando justamente o processo de implantação.

A perspectiva de desenvolvimento de medicamentos é alta, explica o autor do estudo, que sai publicado na edição de hoje da revista científica britânica "Nature" (www.nature.com).

Essa classe de receptor é uma velha conhecida dos médicos. Ela serve de alvo para vários tipos de droga, como antialérgicos. "Logo, há a esperança de que uma droga que mire esse receptor --ou talvez as moléculas sinalizadoras relacionadas a ele-- possa ser eficaz", afirma Chun.

Apesar do entusiasmo, ainda há muito a se entender sobre o processo. A começar pela confirmação de que o modelo animal é um bom representante da condição humana. Chun está otimista quanto a isso. "A estrutura molecular do receptor é muito similar entre humanos e camundongos, o que sugere que ele possa ter funções similares nas duas espécies."

No entanto, entre saber que uma certa molécula está ligada a um processo e entender o que ela está fazendo é um salto. É o alerta de Sudhansu Dey, da Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, que escreveu comentário sobre o estudo na mesma "Nature".

"Em minha opinião, ainda estamos a um longo caminho de desenvolver drogas relacionadas ao LPA3 que irão melhorar a fertilidade. Essa é uma descoberta interessante, mas mais estudo é exigido para entender melhor o papel dos mediadores de lipídios no desfecho da gravidez", argumentou Dey. Chun concorda com a cautela. "Há uma longa estrada que leva ao desenvolvimento de qualquer droga para qualquer alvo possível. Com o rápido avanço da tecnologia, não me arriscaria a dizer quanto tempo seria preciso, além de afirmar que provavelmente vá levar anos."