Do Green Card à naturalização: o que faz tantos residentes permanentes não tirarem a cidadania?

Por Marisa Arruda Barbosa

Enquanto a cidadania americana é o destino e o sonho de muitos imigrantes que iniciam o processo imigratório para os Estados Unidos, nem todos pensam da mesma maneira. Estima-se que aproximadamente 8 milhões de residentes permanentes são elegíveis a tornarem-se cidadãos americanos, mas apenas cerca de 800 mil se naturalizam todos os anos, de acordo com o Department of Homeland Security.

Em julho deste ano, o US Citizenship and Immigration Services (USCIS) iniciou uma campanha de conscientização para ajudar residentes permanentes elegíveis a se tornarem cidadãos. Mesmo com as vantagens da participação política e proteção da deportação, muitas pessoas decidem não tirar a cidadania por diversas questões, que podem ser psicológicas, como abdicar da nacionalidade original, à falta de dinheiro ou de informação.

De acordo com um estudo do Pew Hispanic Center de 2013, intitulado “El Camino no Tomado”, 26% dos que não haviam se naturalizado citaram barreiras pessoais, como falta de domínio do inglês, enquanto 18% citaram barreiras administrativas, como falta de dinheiro (a taxa para tirar a cidadania é de $595 mais $85 dólares para o exame biométrico).

A advogada de imigração, Renata Castro Alves, do Korda Burgess, PA, em Weston, diz que certamente a língua e o custo são os principais obstáculos que muitos brasileiros encontram. Ela adiciona uma característica típica que vê na comunidade brasileira como uma barreira para tirar a cidadania: muitos brasileiros tiram o green card para ficar vivendo entre Brasil e Estados Unidos, não comprovando, assim, a permanência mínima de dois anos e meio no país nos cinco anos anteriores ao pedido de cidadania.

Fora isso, acrescenta a advogada, “muitos brasileiros ficam com o green card até precisar pedir a residência para membros da família”, disse Renata.

Mas a advogada também explica que a falta de informação é, muitas vezes, o que mais atrapalha. “Tem gente que fala que não queria fazer a cidadania porque não quer ter que fazer alistamento obrigatório no exército em caso de guerra, tem gente que acha que não pode ter mais de duas cidadanias”, disse Renata. “A questão do alistamento obrigatório aconteceria num caso muito, mas muito extremo. Quanto a várias cidadanias, a pessoa pode ter quantas quiser de acordo com as leis americanas, mas é preciso respeitar a constituição de cada país também”.

Renata faz parte do American Brazilian International Lawyers Association, que faz uma ponte entre Brasil e EUA e que tenta conscientizar as pessoas sobre a importância política da cidadania americana entre os brasileiros. A associação fará um “citizenship drive” em outubro para ajudar residentes elegíveis a preencher os papeis de aplicação para a cidadania.

Várias cidadanias Cada país tem um protocolo quanto a ter mais de uma cidadania. Renata explica que na Alemanha, por exemplo, é preciso pedir permissão ao país antes que o cidadão peça outra cidadania. A Noruega também não permite mais de uma cidadania. Mas muitos países da Europa não têm essa restrição.

O Brasil não tem restrição à dupla nacionalidade. “A nacionalidade brasileira não exclui a possibilidade de possuir, simultaneamente, a nacionalidade norte-americana. A perda de nacionalidade brasileira somente ocorrerá no caso de vontade formalmente manifestada pelo indivíduo. Em suma, ao tornar-se cidadão americano, por processo de naturalização, o cidadão brasileiro não perde automaticamente a cidadania brasileira, mas sim, passa a ter dupla cidadania: brasileira, por nascimento, e americana, por naturalização”, disse o Itamaraty.

A advogada Genilde Guerra, do Kravitz & Guerra Law Offices, em Miami, conta que ela mesma tem três nacionalidades. “Eu mesma tenho três cidadanias (brasileira, italiana e americana). Se eu tiver um filho com um russo, por exemplo, e a criança nascer na China, possivelmente ela teria quatro ou cinco nacionalidades”, disse a advogada.

Do ponto de vista tributário, a residência é igual à cidadania “Existe um falso conceito de que se a pessoa se tornar cidadã vai pagar mais impostos”, explica o contador Francisco Pessoa, presidente do Business Choice, em Pompano Beach. Mas do ponto de vista tributário, segundo ele, não há diferença entre a residência e a cidadania.

Uma pessoa que tenha um green card, por exemplo, paga impostos exatamente como um cidadão americano. “Também se uma pessoa está aqui sem visto nenhum de permanência (‘ilegalmente para efeito imigratório’), teria que ser taxada pelo IRS da mesma maneira que um residente. O que importa é que se essa pessoa morou aqui mais da metade do ano (183 dias), ela tem que declarar impostos como um cidadão americano. Como costumo dizer, se um ‘marciano’ cair aqui por acaso e passar mais da metade do ano, para o IRS ele teria que declarar do mesmo jeito que um cidadão”.

A questão em relação aos impostos é analisar toda a situação antes de resolver viver nos Estados Unidos. A advogada Genilde Guerra explica que vários clientes resolvem manter um visto e não tirar o green card (residência) principalmente por motivos tributários. ]“Uma vez que o cliente tem um green card ou a cidadania, ele será tributado em sua receita global e não somente nos EUA”, disse Genilde.

Mas Francisco explica que a taxação internacional é um tema muito complexo, e cada situação deve ser analisada individualmente. “A regra básica é que um residente americano tem que declarar quaisquer rendimentos que tenha em qualquer país do mundo. Se isso vai gerar impostos adicionais, já é outra história. Os EUA tem um Tax Treaty (acordo mútuo de taxação) com 68 países para evitar dupla taxação”, explicou o contador. “Apesar de não existir um Tax Treaty entre Brasil e EUA, existe um ‘acordo’, pelo qual impostos pagos nos rendimentos recebidos no Brasil podem ser abatidos nos EUA quando os rendimentos do Brasil são declarados nos EUA e vice-versa. Isso funciona bem para alguns tipos de rendimentos como, por exemplo; aluguéis, ganhos de capital e alguns outros”.

Um cidadão que mora e trabalha fora dos Estados Unidos pode ter uma isenção de até $99.200,00 (2014), por ano, pelo salário recebido. “Essa isenção só se aplica a salário e não a outros tipos de rendimentos”, explicou Francisco.

Fora outros casos mais complexos, como quando a pessoa recebe dividendos de uma empresa da qual é dona no Brasil, em casos mais simples, se o imigrante não tem receita no exterior, não há risco de ter que pagar impostos adicionais como residente, disse Francisco Pessoa. “Mas, para pessoas que tenham rendimentos e alto poder aquisitivo, é fundamental fazer um planejamento antes de adquirir bens e/ou pensar em viver nos EUA”.

Casos extremos O contador cita um exemplo considerado extremo de alguém que abdicou da cidadania americana por questões tributárias: o caso do ex-sócio de Mark Zuckerberg, dono do Facebook, o brasileiro Eduardo Saverin. “Ele era cidadão americano e renunciou à cidadania antes de vender suas ações do Facebook, para evitar a taxação americana de ganho de capital. Ele se mudou para Singapura, aonde não há essa taxação. Mesmo assim, a pessoa que renuncia à cidadania, tem que fazer um acerto final com o IRS (Exit Tax). Essa situação também se aplica a uma pessoa que tenha o green card pelos oito anos retroativos à data da expatriação. Ou seja, mesmo num caso desse, se a pessoa já tiver o green card por muito tempo, não faz diferença ser cidadão ou não. Tem que ser considerado também que, não é só revogar a cidadania/residência, mas também deixar de morar nos EUA”, disse Francisco.

“O caso acima, que é raro, é o único onde posso pensar que pode ser uma desvantagem se tornar cidadão”, finalizou Francisco. “Ter o passaporte americano, principalmente para quem transita pelo mundo, é um tapete vermelho. Não estou dizendo que o brasileiro seja mal visto, mas o americano tem uma importância a mais, por causa da influência que tem no mundo”, finalizou Renata. “Além disso, sabemos que a lei para tirar a cidadania é assim hoje, mas as leis mudam e não sabemos do dia de amanhã. A cidadania é a melhor arma contra a deportação”.

Informações: Para saber mais sobre o Citizenship Drive, marcado para outubro de 2015, acesse: brazilusalaw.org.