Grupo anti-racismo teme choques na Grã-Bretanha

Por Gazeta Admininstrator

O chefe da Comissão para a Igualdade Racial da Grã-Bretanha, Trevor Phillips, alerta para a possibilidade de o país assistir a cenas de violência parecidas com as registradas na França há 13 dias.
"Os nossos vizinhos franceses estão nos dando o mais alto alarme que eles podem dar. A violência em Paris é um aviso a toda Europa de que assuntos raciais viraram um dos principais temas da política. E, por enquanto, a política parece muito confortável lutando batalhas raciais antigas ou celebrando nossa 'feliz' diversidade", afirmou Phillips.

A Comissão para a Igualdade Racial é um órgão independente, apesar de ser financiado pelo Ministério do Interior britânico, que trabalha para acabar com a discriminação racial e promover igualdade de direitos para pessoas com diferenças raciais e étnicas.

A política multicultural adotada pela Grã-Bretanha também é alvo de críticas de Trevor Phillips, que diz que ela "enfatiza a separação e pode virar uma forma benigna de exclusão e negligência".

"Sabemos que ele (o multiculturalismo) nasceu de um desejo de se celebrar a diversidade, mas isso já está ultrapassado agora. Hoje nós enfrentamos novos desafios que simplesmente não podem ser respondidos na antiga linguagem de relações raciais. É mais fácil para as autoridades lidarem com pessoas contidas em cápsulas étnicas. A sociedade multi-étnica não funciona assim", afirma Phillips.

Véus e turbantes

Quando se caminha pelas ruas de Londres, pode-se ter uma idéia da sociedade multicultural existente na cidade: judeus e árabes freqüentando as mesmas lojas; estudantes nas escolas de véus e turbantes, e pessoas das mais variadas nacionalidades dividindo os assentos em ônibus e trens. Todos vivendo lado a lado, cada um mantendo seus valores e sua identidade.

O Ministério do Interior britânico diz ter a obrigação de "promover igualdade e diversidade" para construir uma "sociedade segura, justa e tolerante para todas as pessoas na Grã-Bretanha, sem levar em consideração raça, religião, gênero, orientação sexual, deficiência ou idade".

Cada vez mais pessoas escolhem a Grã-Bretanha para morar: de 1991 a 2001, a metade do crescimento populacional do país foi gerada pela imigração. No final deste período, o país abrigava 4,3 milhões de estrangeiros, o que representa 7,53% da população.

Os dados são de um estudo publicado recentemente pela BBC, compilados pelo Instituto de Pesquisas de Políticas Públicas e pela Universidade de Sheffield.

Comunidade muçulmana

O vice-secretário-geral do Conselho Muçulmano da Grã-Bretanha, Daoud Abdullah, aplaude a forma como o governo respeita e valoriza as diferentes comunidades existentes no país.

Por isso ele acredita que a comunidade muçulmana vive melhor em solo britânico do que na França, o que, em sua opinião, faz com que conflitos como os das ruas francesas não ocorram com freqüência.

"Na França, existe uma comunidade de imigrantes muçulmanos muito maior, de 6 milhões, e a maioria é marginalizada. Aqui, são no máximo 2 milhões, que vivem em circunstâncias diferentes, melhores", diz Abdullah.

"Além disso, a política aqui é de reconhecimento da identidade. As diferentes comunidades recebem apoio para preservar sua identidade e continuar fazendo parte da vida social principal. Na França, ocorre o contrário. Você tem uma política de integração que nega as várias culturas e identidades", ressalta.

Por outro lado, Abdullah diz que a situação na Grã-Bretanha não é a ideal para os muçulmanos. "Não vivemos numa utopia. Isso é uma sociedade em desenvolvimento, está crescendo e incorporando pessoas. Aqui existe discriminação e marginalização, especialmente em relação à comunidade muçulmana."

Conflitos raciais

A história britânica recente mostra que a convivência de diferentes comunidades no país já gerou cenas parecidas com as que estão ocorrendo na França.

Há quatro anos, a Grã-Bretanha assistiu a cenas de conflitos envolvendo brancos, asiáticos e policiais nas cidades de Bradford, Oldham e Burnley.

Em julho deste ano, quatro jovens muçulmanos nascidos na Grã-Bretanha explodiram-se em metrôs e num ônibus, matando 52 pessoas.

Há pouco mais de duas semanas, a segunda maior cidade britânica, Birmingham, foi palco de confrontos entre africanos e asiáticos.

Contraste

Na opinião do professor de Estudos Franceses da London Metropolitan University, Jacques Reland, a Grã-Bretanha não deve registrar episódios de violência como os que estão ocorrendo na França por causa das diferentes políticas de integração social adotadas pelos dois países.

Ele acredita que o nível de "ressentimento" das minorias étnicas na França é muito maior, o que facilitaria a eclosão de manifestações.

"As pessoas que pertencem a minorias étnicas na Grã-Bretanha vivem nos seus próprios guetos, mas eles são mais integrados ao resto da cidade", afirmou Reland.

"Na França, as minorias vivem numa espécie de cidade-satélite, e por isso se sentem muito mais isoladas. E ali as condições de moradia e das escolas são péssimas, conseguir emprego é difícil… Essas pessoas acham que foram esquecidas pela sociedade francesa."

Segundo Reland, os dois países olham para os imigrantes de formas diferentes. A França não reconhece comunidades, todas as pessoas são vistas como indivíduos, com os mesmos direitos e deveres perante a lei.

"Todos os franceses devem seguir os preceitos republicanos de liberdade, igualdade e fraternidade. Porém, há igualdade no papel, mas na prática existe uma grande desigualdade e é esta a causa do problema", afirma o professor.

"Na Grã-Bretanha aceita-se que as pessoas não sejam iguais. Acredita-se em grupos, em comunidades, e que eles se desenvolvam com seus valores", afirma o professor.