O idoso é uma dádiva, não um estorvo - Via Legal

Por Jamil Hellu

Na ordem natural da vida, todos os seres humanos nascem, vivem e morrem. Tratando-se, pois, de um dogma que, no campo filosófico, é uma crença/doutrina imposta, que não admite contestação. E, neste ciclo, uma grande maioria – do ser humano – chega à velhice, vivendo  60 a 65 anos para mais. Também são chamados de idosos aqueles que vivem ou viveram por tantos anos. No mundo em que vivemos, principalmente o de hoje, o idoso, com exceção em  poucos países, costumes e tradições, tem se tornado um grande desafio ou mesmo problema para as nações, ficando aquele, o idoso, desprotegido, “nas mãos” do Estado e seus governantes.

O Brasil conta com avançada legislação de proteção dos direitos dos idosos, mas uma contrastante realidade de desrespeito em relação a eles. O  Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 1º/10/2003) traz princípios e benefícios valiosos: o envelhecimento como direito personalíssimo e sua proteção como direito social; responsabilidade partilhada entre família, sociedade e poder público; obrigação do Estado em garantir a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade; direito à convivência familiar e comunitária, impondo a interpretação da excepcionalidade do asilamento, etc.

Naturalmente, tais direitos encontraram fonte constitucional, com a previsão dos artigos 226 e 230 da Constituição de 1988. O aprimoramento legislativo na área é necessidade inegável, contudo, não é imprescindível para a tutela de direitos. Em outras palavras, não é por falta de lei – e lei de qualidade – que vemos tanta desatenção ao envelhecimento digno.

Infelizmente, na teoria,  tudo uma maravilha; mas, na prática, um desastre, para não dizer uma aberração. O estatuto é um dos defensores dos direitos da população idosa, mas mostra um enorme abismo entre todos os direitos previstos e a difícil situação de uma população crescente. Os milhões de aposentados pelo INSS são o maior exemplo desta, também, péssima qualidade de vida a qual esta população é submetida.

Há mais de uma década, é sabido que o Brasil terá a sexta população mundial de idosos em 2025, mas o que se vê é a predominância da violência dentro das famílias (negligência, abandono, abusos físicos, psicológicos, financeiros, etc.), uma sociedade preconceituosa e um Estado ineficaz em efetivar as tão necessárias políticas públicas. Por exemplo, sendo o asilamento exceção (apenas para idoso sem família ou quando esta comprovadamente não tem condições de atendê-lo), é imperiosa a implantação de formas alternativas de atendimento, como casa lar, centro de convivência, centro-dia. Este último é uma formidável e nobre solução para famílias que não podem cuidar o dia todo do idoso, pois há atividades diurnas e retorno para o meio familiar. Estar inserido plena e respeitosamente na família e na comunidade: eis o ideal. Contudo, recente pesquisa realizada pelo Ministério Público e pelo Conselho  dos Direitos do Idoso mostrou que mais de 70% dos municípios brasileiros não contam com nenhuma dessas formas alternativas de atendimento.

O resultado disso? Muitos idosos estão asilados sem que sejam clientela dessa forma de atendimento ou estão mal atendidos em famílias sem condição de contratação de cuidador com preparo profissional para tanto, quando se acha algum. Nas famílias, a violência cresce: negligência nos cuidados básicos, abandono, violência física e psicológica e, numa progressão assustadora, o abuso financeiro – talvez por vivermos um consumismo patológico acompanhado de modelos de beleza excludentes e empobrecimento nos aspectos afetivo e ético. Resultado? Várias famílias avançam sobre aposentadorias e pensões de familiares idosos e, estes, fazendo até mesmo muitos empréstimos consignados, destinam a terceiros tudo que recebem, prejudicando inclusive a compra de medicamentos.

Em resumo, falta de sensibilidade, ética, valores, inteligência e eficiência. Espera-se a   conscientização de alguns setores e a mobilização via conselhos municipais de direitos e organismos sociais.

A nação brasileira será mais madura em pouco tempo, e as cidades terão que ser mais acessíveis, o consumo sofrerá mudanças, as relações humanas precisarão ser repensadas, e, politicamente, nas próximas eleições, o tema inevitavelmente deve ser enfrentado, tudo a nutrir a esperança de mudança de tratamento com o envelhecimento,  fato, este, incontestável e, que, todos nós, passamos ou passaremos.