Nova regra de Trump pode penalizar imigrantes que utilizarem benefícios públicos nos EUA
Proposta amplia poder de agentes de imigração, revoga norma de Biden e reacende temor de que imigrantes
A administração Trump voltou a colocar o tema "public charge" no centro do debate migratório ao anunciar uma nova proposta que pode ampliar as penalidades para imigrantes que utilizarem programas sociais nos Estados Unidos. A regra, apresentada pelo Departamento de Segurança Interna (DHS), pretende revogar a versão criada durante o governo Biden e dar maior poder discricionário a agentes de imigração na análise de pedidos de green card e outras autorizações permanentes.
Na prática, a medida permitiria que o uso de programas como Medicaid, SNAP (auxílio alimentação), subsídios habitacionais e até benefícios financiados por fundos estaduais passassem a contar negativamente na avaliação de um imigrante — mesmo se ele estiver legalmente no país e qualificado para receber o benefício. Isso representa uma mudança profunda em relação à política de Biden, que restringia o conceito de "public charge" e garantia que a utilização desses serviços não fosse usada como critério de penalização.
Segundo o texto da proposta, o objetivo é "restaurar a ampla discricionariedade para avaliar todos os fatos pertinentes" e reforçar a ideia de que imigrantes devem ser "autossuficientes" e não incentivados a depender de programas públicos. Mas especialistas, organizações de saúde e grupos de defesa dos imigrantes alertam que a regra abre margem para decisões subjetivas, sem critérios claros, e pode levar milhões de pessoas a abandonarem serviços essenciais.
Durante o primeiro mandato de Trump, uma regra semelhante gerou forte "efeito inibidor": famílias inteiras abandonaram consultas médicas, deixaram de solicitar auxílio alimentação e até evitaram buscar atendimento durante a pandemia de COVID-19 por medo de serem consideradas um "peso público" — mesmo aquelas que não estavam sujeitas à regra.
Pesquisas posteriores mostraram que o impacto foi real. Um estudo da UCLA de 2021 indicou que mais de 25% dos imigrantes de baixa renda evitaram serviços médicos por receio das consequências migratórias. Outro estudo da George Washington University apontou aumento das desigualdades raciais em hospitalizações e mortes durante a pandemia devido ao medo de acessar serviços de saúde.
Hospitais e especialistas em saúde pública alertam que a nova versão pode repetir — ou ampliar — esses efeitos. Caso imigrantes deixem de usar Medicaid, programas de prevenção e exames básicos, a consequência pode ser um aumento de emergências, sobrecarga de pronto-socorros e disseminação de doenças que poderiam ter sido controladas.
A proposta surge em um momento em que o governo Trump e republicanos no Congresso intensificam discursos que associam falsamente imigrantes a abuso de programas sociais. Dados oficiais mostram que pessoas sem status legal não têm acesso a Medicaid, SNAP, marketplace de saúde ou outros benefícios federais.
Mesmo assim, o Congresso recentemente aprovou cortes que afetaram inclusive imigrantes legalmente presentes — como refugiados e pessoas protegidas por programas humanitários — e reduziu verbas de estados que usam recursos próprios para garantir cuidados de saúde independentemente do status migratório.
A nova regra pretende ir além: agora, até benefícios financiados exclusivamente por fundos estaduais poderiam ser considerados como "sinal de dependência", algo inédito e criticado por especialistas por ampliar o alcance da penalização.
Diferentemente da regra implementada por Trump em 2019, a nova proposta não define uma lista objetiva de benefícios proibitivos. Em vez disso, DHS afirmou que divulgará orientações adicionais "em data futura", o que na prática daria maior poder de decisão a agentes do USCIS na hora de determinar quem poderia se tornar um "peso público".
A medida está agora em período de comentários públicos por 30 dias, etapa que antecede a decisão final. Se aprovada, teria impacto direto sobre milhões de imigrantes, incluindo aqueles que já possuem permissão legal para viver e trabalhar no país.
Além disso, o governo Trump anunciou que poderá negar vistos a pessoas com doenças crônicas — como câncer ou obesidade — alegando risco de custos futuros ao sistema público de saúde.
Especialistas alertam ainda que a mudança afetará principalmente famílias mistas, onde pais imigrantes convivem com filhos cidadãos americanos. Esses filhos continuam elegíveis para benefícios como SNAP e Medicaid, mas muitos pais podem evitar inscrevê-los por medo de consequências migratórias — algo que já ocorreu no passado.
Com a combinação de regras mais rígidas, discursos políticos inflamados e informações imprecisas circulando entre comunidades imigrantes, organizações temem uma nova onda de desinformação e abandono de programas essenciais.
