Indocumentados atraídos pelo sonho americano, agora sonham com a reforma imigratória

Por Simone Raguzo

Carlos Gutierrez é um dos idealizadores do plano Republicans for Immigration Reform.

“Meu ex-esposo veio para os Estados Unidos há 13 anos, ilegalmente pelo México, buscando dar uma vida melhor para mim e nossas duas filhas, na época com seis e oito anos. Quando ele saiu do Brasil, não tínhamos nem o que comer. Seis anos depois, eu tentei tirar o visto em São Paulo diversas vezes, mas não consegui. Depois de muitas tentativas para vir para os EUA legalmente, fiz contato com coiotes. Vim com minha filha mais nova e um amigo da família. Pagamos $12,5 mil dólares cada um, com dinheiro que meu marido na época pegou emprestado. Viemos por Cuba e Bahamas, até chegarmos em Boston, onde ele estava morando.

Foi passando o tempo, nos separamos por muitos problemas, e eu e minha filha viemos morar em Pompano Beach, na Flórida, há três anos. Já levei multas por dirigir sem permissão, fui presa por estar ilegal no país. Estando meu ex-marido aqui há 13 anos e eu há sete, sentimos muita saudade da nossa família, especialmente da nossa filha mais velha, que hoje tem 20 anos. Ele já perdeu pai, mãe, irmãos, sem nem poder ir dar o último adeus. É horrível, mas infelizmente é assim, porque se formos para o Brasil por qualquer motivo ou mesmo uma emergência, não podemos voltar, por sermos ilegais.

Alguns políticos nos chamam de marginais, referem-se a nós como criminosos, dizendo que infringimos as leis deste país. Não somos marginais, somos pessoas simples, pobres, que vieram para esse país para tentar uma vida melhor. Eu diria que somos humanos, decentes, trabalhadores, fortes. Temos um coração e sentimentos, talvez maiores que os desses políticos. Se estamos aqui, depois de ter passado por tudo isso, é porque somos lutadores e não desistimos nunca, acima de tudo por amor, amor aos filhos, a nossa família.

Gostaria de saber se algum desses políticos que têm um mau conceito sobre nós, já viu seu filho chorar de fome e não ter comida para dar a ele? Se abraçaram o seu filho para passar o calor do seu corpo para que ele dormisse, porque não tinha cobertor? Se já passaram pela situação do amiguinho do seu filho estar comendo algo e sua filha de três aninhos pedir o mesmo e você não ter R$ 1 para comprar? Se eles já estiveram com seu filho entre a vida e a morte e o doutor de um posto de saúde te dizer que você tem que correr pra um hospital em questão de minutos para poder salvar a vida dele e você não ter dinheiro pra pagar um táxi, melhor dizendo, não ter dinheiro nem para pagar um ônibus?”.

Assim como a catarinense Marta Oliveira, milhões de imigrantes que arriscaram suas vidas ao atravessar fronteiras em busca do ‘sonho americano’ têm seus desabafos. Muitos deixam para trás suas histórias, familiares e amigos para chegar ao lugar que, mesmo enfrentando uma crise econômica nos últimos anos, ainda é considerado o país das oportunidades.

A maioria sai do seu país de origem pensando em voltar depois que conseguir trabalhar e juntar dinheiro suficiente para ter uma vida melhor. Mas, diante das conquistas, como um bom emprego e consequentemente melhor renda, conquista de carro, casa e afins, acaba desistindo do retorno e prefere continuar tendo mais qualidade de vida, mesmo que para isso seja preciso conviver com um medo constante, o da deportação.

Reforma imigratória O túnel obscuro por onde caminham imigrantes indocumentados, desde o momento que entraram nos Estados Unidos, parece ter uma luz ao seu final. Com a força do voto latino nas últimas eleições presidenciais, os imigrantes ganharam força nas discussões entre os poderes. Assim como a imigrante Marta, milhões de indocumentados aguardam com ansiedade para ver os discursos tornarem-se realidade.

De um lado, o presidente reeleito Barack Obama e sua ala democrata deixam claro que o assunto ganhará prioridade após a posse, em janeiro próximo. Do outro, estão os republicanos, que mesmo conhecidos pelo seu conservadorismo, também reconheceram que a reforma imigratória não pode mais esperar.

Na última semana, Obama mostrou-se confiante de que pode trabalhar com o Congresso para reformar as leis da imigração.

O projeto a ser apresentado deve apontar uma forma de legalizar a situação de imigrantes sem documentos já radicados nos EUA, desde que não estejam ligados a atividades ilegais e demonstrem interesse em estudar, trabalhar e contribuir para o país. Obama destacou que, por outro lado, adotará medidas mais fortes no controle de fronteiras e reforçará a punição para empresas que contratem funcionários em situação irregular. “Esse é o grupo que mais cresce nos EUA”, disse Obama, referindo-se aos latinos. “Começamos a perceber uma participação cívica entre eles que, acredito, será muito poderosa e boa para o país”.

Republicanos criam comitê pró-reforma da imigração

Estrategistas republicanos anunciaram que estão formando um Comitê de Ação Política, visando redefinir a posição do partido em relação à imigração e descobrir maneiras para atrair os eleitores latinos. O plano, chamado de Republicans for Immigration Reform, também espera minar do partido aqueles que se posicionam muito rigorosos contra a imigração, tornando-se heróis para os mais conservadores, mas que acabam afastando os eleitores latinos.

Carlos Gutierrez, que foi secretário de Comércio no governo do presidente George W. Bush, e Spies Charlie, um advogado de Washington, são os idealizadores desse plano.

“Nós estamos falando sério e estamos incentivando os debates sobre a reforma da imigração para que o Partido Republicano possa chegar a um novo patamar no século 21”, disse Gutierrez ao “Washington Post”. “Primeiro, eles têm de ser legalizados. Então você tem que encontrar uma maneira de entrar em uma fila para o green card. (...) Haverá exigências. E nós vamos ter de negociar algum tipo de requisitos”, completou.

“Somos o partido de prosperidade, de crescimento, de tolerância. Esses imigrantes que vêm para cá, arriscando suas vidas, vêm em busca do sonho americano. É isso que o partido republicano é”, disse Gutierrez à “CNN”, completando que o Republicans for Immigration Reform favorecerá imigrantes de todas as partes do mundo, incluindo hispânicos, asiáticos, africanos ocidentais e etíopes.

Com informações da “Associated Press” e “Reuters”.