Já pensou o que é pensar?

Por Adriana Tanese Nogueira

O que significa pensar? Não “pensamos” quando “jogamos baralho” dentro da nossa mente, rearranjando as cartas em novas combinações. Isso dá aquela sensação de jaula, de não sair da própria cabeça e não chegar a lugar nenhum. Isso é reencenar e ruminar pensamentos prontos que não trazem informação nova. Portanto, são inúteis e prejudiciais. Esses pensamentos prontos são o que a psicanalista italiana Silvia Montefoschi chama de “pensados”. Os pensados são os produtos do conhecimento, conscientes e não, adquiridos ao longo da vida e que geralmente as pessoas acabam por repetir pela vida afora.

Os pensados são as tais cartas do baralho, a pessoa acha que “pensa” quando “reajusta as peças” tentando encontrar a configuração que explicaria determinado fenômeno. Não percebe ela que, sem exercitar o pensamento em quanto atividade livre e ativa está perdida num labirinto mental. Talvez, um dia, esses pensados representaram aspectos da realidade, eram, como se diz, “verdadeiros”. Mas, hoje, muito tempo depois (ou um dia depois), precisam ser revisados, checados, confrontados com o real, que sempre muda. Mas, sem a capacidade de pensar, o confronto se faz impossível e a pessoa geralmente prefere ficar com seus pensados e fechar os olhos diante da realidade. Os pensados então se tornam “entidades”, “verdades” aprisionadoras que bloqueiam o acesso ao que está fora deles.

Nunca nesse processo há um contato real, com a realidade. Por real entendo a experiência intelectual e/ou afetiva de entrar em contato com algo que não está pré-figurado no que já se sabe. Sem isso não há conhecimento novo. Essa mastigação de pensados já dados e rancinços mata a verdadeira atividade do pensamento, daí o sorvete de hoje terá o mesmo sabor do sorvete de ontem. É preciso abertura mental e afetiva, a capacidade de enxergar com a mente e com o coração para além do que já se sabe e se experimentou para fazer com que a realidade penetre em nossa consciência.

Pensar é um movimento dinâmico, infinito e livre. No pensar temos algumas referências, normas, valores, verdades adquiridas no passado, mas estes nunca podem limitar o pensamento, se não o negam. Seria como querer correr com um elástico amarrado no tornozelo que nos prende à grade. Pensar é entrar em relação, tanto aquela externa como aquela interior. Pensar é refletir e produzir conhecimento novo. Na reflexão, o movimento é introspectivo, como um olho que se volta para si mesmo e reflete sobre o que captou.

O mundo de fora penetra em nós pelos sentidos, afetos e emoções. A função do pensamento é a de elaborar as experiências obtidas e de relacioná-las com os conhecimentos já dados para enriquecê-los e mudá-los. Os pensados assim se aprimoram, se transformam, pode ser jogados fora ou se tornarem mais claros, amplos e focados. O conhecimento evolui e o pensar sai do solipsismo ao qual, caso contrário, estaria condenado. Solipsismo é aquela conversa solitária que não conhece o diálogo.

O pensar não criativo, o que é uma manipulação de pensados, se reduz a mera masturbação mental. Obtém-se o prazer (de pensar), a descarga mental de ter vomitado ou perambulado em meio à floresta de pensados, mas não se produz nada de novo. O verdadeiro pensar sempre acende uma chama, ilumina a realidade com nova luz, abrindo caminhos para a ação. Promove a consciência.

Pensar é um ato de pessoas livres. Livres da repetição de saberes importados de fora. Livres do medo de não saber e do pânico do vazio, porque é necessário “ter espaço mental” para que novos conteúdos entrem. Pensar é para quem não tem compromissos com dogmas e não teme ser diferente. Pelo jeito, pensar é para eleitos.