Levando a criança a sério: por que ela não come?

Por Adriana Tanese Nogueira

menina

Luisa tem nove anos e não está comendo. Diz que não tem fome. Isso acontece sobretudo nos finais de semana. Os pais estão muito preocupados, até porque recentemente Luisa foi internada no hospital com uma enterocolite aguda com consequente perda de peso. A mãe pensa que não se deve insistir, vai comer “quanto tiver fome”, mas também acha que a filha faz manha, “depois passa” e ela come. O pai se desespera. Acha que a esposa repete o que aprendeu com os pais, a negar qualquer problema. Segundo ele, a filha não está feliz, sente falta dos Estados Unidos, onde a família viveu por três anos.

No último final de semana, a menina acordou e disse: “Não estou com fome.” O pai teve uma crise, bateu nela. Logo, ele se arrependeu. Adora a filha, não sabe o que fazer, se tranca no quarto... e entra em contato comigo. Converso com a menina, um amor de criança. Sorridente, alegre... Nega todo problema, como a mãe lhe ensinou (mesmo que sem querer). Quando digo que sei que o pai bateu nela, ela se surpreende: “Como você sabe?”. Leva as mãos para as faces, um pouco sem graça. Pergunto se sabe por que o pai fez isso. Ela, titubeante: “Porque eu o deixei bravo?”. “E por que você o deixou bravo?”, perguntei. “Por que não queria comer?”, indagou ela. “E por que você não queria comer?”. “Não sei”.

Bato papo com a menina e descubro a seguinte história. A menina sente falta dos EUA, falta da vida mais protegida e segura. Na grande cidade, ‘tem muito trânsito”, ela, a mãe a avó já “foram quase atropeladas!”. A Luisa é sensível – como haveriam de ser TODAS as crianças normais! – ao ambiente, às asperidades das relações (anti)sociais. O caos e a falta de delicadeza geral a perturba. É uma menina extremamente social, sente falta da gentileza. Conta que nos EUA as pessoas encontradas na rua andando com seus cachorros batiam papo com ela que não precisava perguntar “cada informação sobre o cachorrinho”, enquanto que, onde ela mora agora, as pessoas não têm vontade de conversar.

Mas tem outra coisa: Luisa também sente falta de um tempo de sua vida quando não existiam certos problemas. Luisa está agora com 9 anos, enfrentando uma pré-adolescência que começa sempre mais cedo (infelizmente). Aos 7 anos, morando nos EUA, era ainda somente uma criança. Hoje, ela se depara, por exemplo, com os modelos femininos e descobre que “todos os meninos dizem que eu tenho uma cara de estúpida”, que seu cabelo loiro não é amarelo o suficiente e que nem todas as meninas são amigas de verdade...

Luisa é uma menina de grande coração, gentil, sensível, bonitinha e alegra. Como conciliar sua alegria despreconceituosa com as questões de gênero que o mundo lhe apresenta? Como conciliar sua amável sociabilidade com as armadilhas sociais que descobriu? Como conciliar sua sensibilidade com o fato de haver no mundo tanta “gente feia”? Seu último sonho? “Eu estava no mundo só – só eu e todas as pessoas que eu amo”. Luisa está diante de um importante dilema existencial. Como viver num mundo cheio de coisas ruins?

Por que não come no final de semana? Porque ela acorda no sábado sabendo que terá somente dois dias em casa e depois: escola de novo. Mundo de novo. Um mundo que ela não sabe como equacionar. Um lindo ser humano está batalhando para desabrochar. Precisa de orientação delicada e inteligente para encontrar seu caminho e dar respostas inovadoras e criativas que tornem esse mundo um lugar melhor – para ela e para todos nós.