Massa: como funciona o conformismo

Por Adriana Tanese Nogueira

massa
Você já notou que um indivíduo quando está no meio de uma massa se comporta de forma diferente de quando está sozinho? Você pode almoçar com um sujeito e ter o melhor dos papos e depois enxergar esse mesmo sujeito numa multidão fazendo coisas que você nunca iria imaginar. Sabe por quê? Quando o indivíduo está sob a influência de um grupo seu comportamento muda radicalmente. Há muito tipos de grupo com estruturas diferentes: há coletividades permanentes (coo estado, igreja, etc.), há aglomerações com hierarquia interna (como o exército) e outras que não parecem sequer ter um líder; há os agrupamentos em torno de uma figura central e os que são ocasionais e amorfos. Em todo o caso, se você se encontrar sujeito a qualquer tipo de grupo, pode ter certeza de que você não se pertencerá mais como acreditava. Escreve o renomado psicanalista italiano Cesare Musatti em seu Trattato di Psicoanalisi, que "o primeiro fenômeno mais geral é constituído pela unidade que se constitui entre os indivíduos que fazem parte de uma multidão: parece que, como as células de um corpo vivo se reúnem em um único organismo, os indivíduos se unem para dar origem a esse 'ser', mais ou menos provisório, que é precisamente a multidão, se despojam de são suas características individuais a fim de permitir que exista apenas um terreno comum indiferenciado de sua personalidade." Ou seja, você abdica de sua personalidade para vir a fazer parte de uma personalidade maior, ou também: você cede aspectos de sua personalidade para que o "ser maior", a multidão, o grupo, se manifeste. Continua Musatti, recuperando o pensamento de Freud em seu "Psicologia das massas e análise do eu": a "multidão é impulsiva, inconstante; extremamente acessível às imagens e muito pouco às questões críticas... O indivíduo se deixa fascinar pelo poder mágico das palavras e dos sentimentos que, de repente, adquirem máxima acentuação, buscando satisfações imediatas para seus impulsos e não admitindo atrasos em tais satisfações. Ele pode assumir atitudes contraditórias porque não se dá conta da contradição, assim como lhe falta o sentido da realidade e é - eis o pior! - ele é indiferente à verdade." A verdade parece-lhe autoritária e intolerante e ele se considera onipotente enquanto, ao mesmo tempo, se deixa impressionar facilmente e tem medo inconsciente das novidades. Quando na massa, o indivíduo pode manifestar instintos cruéis, brutais e destrutivos, embora sob certas condições seja também capaz dos maiores sacrifícios, do maior desinteresse e da maior devoção a um ideal. No geral, a imagem da alma da multidão que emerge é tristonha e fundamentalmente pessimista. Segue a importância da psicologia individual e do desenvolvimento de uma consciência que saiba resistir às tentações dominadoras da psicologia da massa. Pois um indivíduo que se funde na multidão não será capaz de progredir na vida e consequentemente irá contribuir para o abaixamento coletivo do nível civilizatório da própria coletividade. Entre os fenômenos que se manifestam na multidão e que de certa forma contribuem para constituí-la, há outro: o contágio mental. Assim como um vírus - o COVID19 que possui uma capacidade alarmante de se espalhar no ambiente - do mesmo modo, todo sentimento e todo ato tende a se espalhar e a ser reproduzido por todos os membros da multidão. Sendo a aglomeração um corpo sem cabeça, por assim dizer, qualquer estímulo que ganhar volume irá contaminar o inteiro corpo rapidamente e sem qualquer senso crítico. O contágio é o efeito, explica Musatti, da sugestionabilidade, que é potencializada nos indivíduos que compõem a multidão. A sugestionabilidade funciona da mesma forma que a hipnose, onde o sujeito automaticamente segue todos os convites do experimentador. Na multidão, o indivíduo está pronto para aceitar e fazer seus os sentimentos, crenças e impulsos do grupo, de modo que irá agir coerentemente com a sugestão e não com o seu melhor juízo. Concluindo, o conformismo é tão mais acentuado conforme a intensidade da assimilação de um indivíduo com a massa. Não é preciso estar fisicamente no meio de uma multidão, apesar de que nesse caso os mecanismos da psicologia das massas se fazem ainda mais poderosos e irresistíveis, basta a identificação de um sujeito com um grupo. Quanto maior sua identificação com a coletividade menor será seu senso crítico, maior sua cegueira diante de outros valores ou perspectivas, e mais resistentes serão os preconceitos e os comportamentos agressivos. Portanto, a psicologia das massas nos ensina que não são os grupos em quanto coletividades organizadas ou não que promovem o progresso humano e a civilização.