No Brasil, todos somos Van Gogh

Por Fernando Rebouças

14445970_10154485755012416_2135954144667615170_n

Van Gogh? Ainda me perguntam se o Van Gogh passou a vida inteira pintando para vender somente um quadro. Um dos biógrafos de Lautrec questiona essa história, pois o irmão de Van Gogh era dono e gerente de uma galeria de artes e sabia empurrar quadros para seus clientes. A questão é que os críticos daquela época não entenderam com facilidade a inovação que Van Gogh, Gauguin, Lautrec e Picasso ofereceriam ao mundo, afinal eles nem sabiam o que era "inovação", palavra tão buscada atualmente numa era de poucos gênios no século XXI. Não é difícil ser desenhista ou pintor no Brasil e no mundo, difícil é o público abstrair e dar atenção sincera a um artista, independente, de seu estilo.

Lógico, há boas exceções de público no Rio-SP, no centro da Europa e em Nova Iorque. Como desenhista posso falar um pouco do que eu recebo em nível de atenção e oportunidades, já me convidaram para tentar a vida de desenhista no Canadá, quando, na época, publicava tiras em português e espanhol em jornais independentes daquele país, no entanto, decidi insistir em ficar no Brasil para cuidar de assuntos familiares e concluir melhor meus estudos. Hoje, sou um desenhista brasileiro com bom portfólio, publicações de gibis e livros, desenvoltura inicial na animação e com toda a minha humildade ainda pesquiso e leio muito para aprender mais e mais, quanto mais eu crio mais eu quero criar e aprimorar.

Compreendi que nunca nos tornamos artistas completos, temos fases e momentos criativos, mas o que mais dói num desenhista brasileiro como eu é:

- Telefonar para uma escola e ter que explicar o que é quadrinho ecológico para a diretora; - Uma escola particular dizer que não apoia autores independentes; - Governos que limitam editais; - Ver jornais e revistas que não publicam e não republicam desenhistas brasileiros; - Agências de publicidade que licenciam personagens estrangeiros de modo inadequado em certo produto; - Editoras que contratam ilustrador sem respeitar a tabela de mercado; - Posto o meu quadrinho em inglês no Twitter e percebo que publicar em inglês gera 300, 500 até 1000 visualizações em 10 minutos e em português apenas 80 visualizações.

Eu sou culpado por ser desenhista, publicitário, jornalista e escritor? Não. Agora se a nossa sociedade não respeita ou não reconhece um desenhista como eu e outros bons profissionais no mercado cultural, daqui a 50 anos, a TV Brasileira quando fizer uma matéria qualquer sobre uma feira de quadrinhos irá mostrar imagens do homem-aranha, batman, x-men, entre outros como já vem fazendo nos últimos 30 anos, esses personagens são muito legais, mas onde está o nosso novo cenário de artes visuais já disseminado nos sites, nos crowdfundings, nas mostras de curtas, etc?

Quando o assunto é arte visual, o Brasil ainda sofre de miopia cultural, falta de investimento e de certos espaços estratégicos, depois não escrevam em nossas biografias que vivemos uma vida inteira para somente vender um quadro, isso não é verdade, não chorem pela morte de um desenhista que vocês não quiseram conhecer e não o destaquem no Jornal Nacional somente quando ele morrer de fato...A genialidade e a dedicação de um artista vale em vida e não somente depois da morte. Continuarei sendo um desenhista de sucesso, sucesso "a la Brasil."

Artigo redigido em 23 de setembro de 2016