“Nossa igreja não tem a bandeira do arco-íris no altar”, diz pastor de igreja inclusiva

Por Gazeta News

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[caption id="attachment_88196" align="alignleft" width="350"] Pastor Marcos, na foto com o esposo e os dois filhos, prepara-se para abrir a primeira Catedral Inclusiva da América Latina, com capacidade para 800 pessoas.[/caption]

Uma semana antes da polêmica crucificação da Parada Gay, no Brasil, dois casais de brasileiros subiam ao altar para se casar. Mas, nestas cerimônias, uma peculiaridade: dois homens e duas mulheres se casando, em pontos opostos de Broward. O fato chama atenção para uma realidade cada vez mais presente no cotidiano moderno, a de um novo modelo de família que já está até em apreciação oficial na Câmara Federal, em Brasília. Em um desses casamentos, a cerimônia foi conduzida pelo pastor Reinaldo Souza, 51 anos, há seis anos homossexual assumido, e que lidera em Belo Horizonte a ICC-Igreja Cristã Contemporânea. Trata-se de uma igreja “inclusiva”, que já conta com nove templos no país.

O diferencial da igreja é que foi fundada por um homossexual e que aceita também homossexuais em seus cultos. “Somos uma igreja inclusiva. Mas não se trata de uma igreja de gays, nem para gays. Somos uma igreja para Deus. Não fazemos pregação de uma bandeira (gay); pregamos a palavra de Deus”, rebate Reinaldo, pai de três filhos e avô de dois, que aos 20 anos se converteu ao evangelho.

Ele fez parte da Igreja Batista, da Assembléia de Deus, até que resolveu assumir sua sexualidade e teve que se desvincular da igreja e do casamento de nove anos. Em Belo Horizonte conheceu a ICC e passou a frequentá-la. Três anos depois assumiu o pastorado. “Eu sentia a necessidade de viver minha vida em cristo. E a ICC nos permite isso”, explica. O casamento de Deerfield Beach - os nubentes preferem não se identificar - foi o terceiro do pastor somente este ano. Na sua carreira pastoral, já perdeu as contas de quantas uniões religiosas celebrou, mas explica que não é qualquer um que pode casar. “Temos critérios. O casal tem que ter uma relação estável para poder se casar”, afirma.

Sobre a resistência da opinião pública, e de outras denominações, ele opina. “Isso é normal. Sempre vão existir as críticas”, admite, destacando que sua preocupação é viver sua vida para Deus.

Pastor Reinaldo é apenas um dos vários pastores da Igreja Contemporânea, fundada em 2006 no Rio de Janeiro pelo pastor Marcos Gladstone, 49 anos. Pós-graduado lato sensu em Teologia, pela Universidade Metodista Bennett (RJ), Marcos já morou nos Estados Unidos, na Georgia, em 2003, onde conheceu um pouco mais da “teologia inclusiva”. Levou o modelo de igreja para o Brasil, em 2006, e nove anos depois se prepara para inaugurar a sua primeira Catedral, no Rio de Janeiro, que terá capacidade para 800 pessoas.

Nesses nove anos, a ICC já realizou mais de 70 casamentos e conta atualmente com 2,5 mil membros oficiais. E nem todos são gays. “Não pregamos a bandeira gay porque se pregarmos só para gays, vamos estar excluindo. Meus filhos não são gays, e frequentam a minha igreja. Temos mães de homossexuais que vão a igrejas tradicionais e escutam os pastores condenando gays. Elas vão na nossa igreja e se sentem acolhidas”, afirmou Pastor Marcos, em entrevista por telefone.

“Bíblia Sem Preconceitos” O Pastor Marcos destaca ainda que a programação da igreja também se volta para valores familiares. “A gente tem esse processo de restauração familiar. Na nossa igreja, a gente não tem a bandeira do arco-íris exposta no altar. A nossa diferença é que temos uma orientação sexual diferente, mas a gente prega o mesmo Evangelho das outras igrejas. Pregamos a lei do amor, acima de qualquer coisa. A gente vive esse evangelho de acolhimento, de inclusão, de amor a todos”, explica o fundador.

Um ponto polêmico da igreja é a utilização de um livreto chamado “Bíblia Sem Preconceito”, onde eles fazem releituras de passagens bíblicas. “Não é uma Bíblia, porque a Bíblia é única. Trata-se de um livro comentado sobre passagens que são usadas para falar de homossexuais. E a gente tenta explicar que (algumas passagens) são colocadas de forma tendenciosa”, diz.

Teologia da inclusão As passagens bíblicas também são usadas para explicar a teologia da inclusão. “A essência da palavra de Deus é o amor. Jesus veio ao mundo não para condená-lo. Jesus, quando se deparava com alguém excluído, se aproximava e dava consolo, fazia processo de cura, acolhia. Essa é a essência do evangelho, a inclusão, o acolhimento”, repete Marcos, que é pioneiro no Brasil no evangelho inclusivo. Publicou, em 2002, a primeira página virtual, em português, sobre a Bíblia e a homoafetividade na visão de aceitação aos homoafetivos.

Atualmente, ele é reconhecido em todo o mundo como advogado que luta contra a homofobia religiosa e já ministrou em igrejas inclusivas de vários países, e também em organizações, congressos, e universidades sobre a Teologia da Inclusão. Em 2009, foi eleito pelo portal “Mix Brasil” como uma das personalidades que mais influenciaram positivamente o mundo na aceitação da comunidade LGBT.

Questionado sobre fatos polêmicos envolvendo homossexuais e a igreja, como a encenação de crucificação da Parada Gay, no último domingo, dia 7, Marcos comenta: “Madonna fez a mesma coisa. Neymar fez a mesma coisa. E tantos outros artistas que usam a crucificação em shows, e ninguém diz nada. E eu respeito isso. Eu não posso julgar, e nem estou aqui para julgar ninguém”, diz o fundador da ICC, que participa da Parada Gay com os filhos.

“Nós estávamos em todas as paradas, assim como na Marcha para Jesus. Mas, em 2008, estávamos na Marcha e vivemos uma situação homofóbica. Daí deixamos de participar. E na Parada Gay somos acolhidos; vamos com nossos filhos, com nossas famílias”, conta.

Outra polêmica envolveu a marca O Boticário, que usou um casal homoafetivo na sua campanha para o Dia dos Namorados. “Várias empresas e marcas apoiam a causa gay. Nos EUA, existem marcas como a Disney, Facebook, e por que nunca boicotaram? Só acho coincidência que um pastor comece essa polêmica ao mesmo tempo que lança uma linha de cométicos da sua esposa. Não é coincidência?”, questiona Marcos, se referindo ao Pastor Silas Malafaia, que liderou o boicote e lançou recentemente a sua linha própria de cosméticos para evangélicos.

Sobre a possibilidade de expansão da igreja fora do Brasil, ele afirma já ter muitos pedidos de brasileiros, e até de norte-americanos, para abrir um templo nos Estados Unidos. “A gente tem interesse sim, mas aguardamos o momento certo, a hora adequada”, completa.

Pastor Marcos se converteu aos 14 anos na Igreja Evangélica Congregacional. “Vivi algo tremendo, mas quando fui me descobrindo, a igreja não me dava respostas. Fiquei cinco anos junto com uma mulher, ia me casar, mas tomei a decisão de me assumir senão ia ser infeliz e ia fazê-la infeliz”, afirma. Atualmente, ele é casado com Pastor Felipe, tem dois filhos adotivos - Felipe,11, e Davison, 12 -, e está em processo de adoção de uma menina.