O número de conflitos no campo no país passou de 1.903, em 2019, para 2.054, em 2020, um aumento de 8%. Os dados estão no Relatório Conflitos no Campo Brasil – 2020, da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O documento, lançado na segunda-feira (31), mostra que o número de pessoas envolvidas nesses conflitos passou de 898.635 para 914.144, no mesmo período.
Para a CPT, o enredo do relatório segue o roteiro de "injustiça fundiária, prevalência dos interesses do capital, violência, omissão e conivência do Estado e resistência dos povos e comunidades".
Conflitos por terra
Do total de conflitos no campo, 1.576 ocorrências são referentes a disputas por terra, o maior número desde 1985, quando o relatório começou a ser publicado, 25% superior a 2019 e 57,6% a 2018. O número equivale a uma média diária de 4,31 conflitos por terra, que envolveram 171.625 famílias brasileiras. O número de conflitos por dia foi de 2,74 em 2018 e 3,45 em 2019.
“Não teremos paz sem a garantia do reconhecimento e respeito aos direitos territoriais dos povos e comunidades tradicionais, objetivo que deve nortear a ação do poder público e da sociedade, priorizando o debate acerca do respeito à vida, aos direitos humanos de acesso aos bens fundamentais como terra, água, florestas e demais bens ambientais”, ressalta o relatório.
Um total de 81.225 famílias teve suas terras e territórios invadidos em 2020 e mais de 71% das famílias vítimas dessas invasões são indígenas.
Entre os 18 assassinatos registrados no contexto dos conflitos no campo em 2020, sete foram de indígenas, ou seja, 39% das vítimas. Entre as 35 pessoas que sofreram tentativas de assassinato ou homicídio, 12 são indígenas, 34% das vítimas. Entre as 159 pessoas ameaçadas de morte, 25 são indígenas (16% das vítimas).
“Somente priorizando a produção de alimentos e não de commodities primárias destinadas à exportação, o país poderá efetivamente democratizar o campo, alcançar a paz e a inclusão social”, diz o documento. “Para tanto, é urgente abandonar qualquer forma de regularização fundiária que possa favorecer a expansão da fronteira agrícola, a busca de ganhos patrimoniais rápidos, a grilagem de terras pública, a concentração da riqueza e o aumento da exclusão social”, finaliza o relatório.
Conflitos pela água
Em 2020, foram registradas 350 ocorrências de conflitos pela água, uma queda de cerca de 30% em relação ao ano anterior (502), o que, segundo a CPT, se deve em grande parte a dois eventos de grande magnitude e com forte caráter conflituoso que aconteceram em 2019: o derramamento de óleo no litoral brasileiro, especialmente na Região Nordeste, e o desastre provocado pelo rompimento da barragem da mineradora Vale, em Brumadinho (MG).
Em 2020, foram mortas quatro pessoas em conflitos pela água, todas foram vítimas do mesmo crime, que ficou conhecido como Massacre do Rio Abacaxis, no estado do Amazonas. Em agosto de 2020, o indígena Munduruku Josimar Moraes Lopes e três ribeirinhos foram assassinados na região do Rio Abacaxis. A CPT relata que consta ainda o assassinato de dois policiais militares e possivelmente de um traficante.
Segundo relato de agentes da CPT Amazonas, a situação local é complexa, envolvendo camponeses e indígenas, de um lado, pescadores ilegais e policiais do outro, e ainda um terceiro grupo formado por traficantes de drogas. “Conforme o Ministério Público Federal (MPF), desde o ano de 2007 os indígenas denunciam a ocorrência de conflitos na região, causados pelo turismo de pesca esportiva, o garimpo irregular, o tráfico de drogas e o uso de armas de fogo. Nesse contexto, as comunidades locais são ameaçadas”, diz a CPT.
Em 2011, foram contabilizadas 28.057 famílias envolvidas nesses conflitos, em 2019 esse valor quase triplicou, com 79.381 famílias. “O caráter crescente da curva, tanto de conflitos pela água, como de famílias envolvidas, evidencia a importância de um olhar atento à questão da água. Afinal, a existência de conflitos indica tensões sobre a apropriação da água e seus usos”, avaliou a CPT.
A
Agência Brasilpediu posicionamento ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e ao Ministério do Meio Ambiente e aguarda retorno.