Ministério Público Federal
A atuação do Ministério Público na cobrança de maior visibilidade para o povo romani, como no caso do IBGE, é um indício de omissões do Estado nesse trabalho. Essa é a avaliação do subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia, que, em sua época de procurador, foi um aliado na luta pelos direitos dessa população.
"Não havendo uma agência oficial, não havendo uma Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas], uma Fundação Cultural Palmares para os ciganos, nós tivemos que construir informação antropológica sobre os grupos ciganos, informação sociológica também e um aprofundamento jurídico. Por isso, o MPF terminou se tornando, no Brasil, a instituição com o maior conjunto de informações antropológicas e jurídicas sobre os ciganos no país. De fato, foi uma mudança muito grande", ressalta.
Mariz Maia começou a atuar nesse âmbito em 1991, depois de ganhar visibilidade com um projeto em favor dos indígenas potiguara, que vivem no estado em que ele atuava, a Paraíba, e também no Ceará, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte.
"Houve uma grande repercussão e isso fez com que o senador Antonio Mariz, que, há muitos anos, defendia os ciganos, identificasse a possibilidade de o Ministério Público cuidar também dos ciganos, enquanto minoria. A experiência com os indígenas vinha de muito tempo já, mas a experiência com os ciganos não existia", comenta Mariz Maia, que também leciona na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e foi recentemente eleito para integrar o Subcomitê de Prevenção à Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (SPT), da Organização das Nações Unidas (ONU).
"O senador disse assim: tem quem cuide de índio, tem quem cuide de negro, tem que cuide de homossexual, mas não tem quem cuide dos ciganos”, lembra o subprocurador-geral, que, então, perguntou o que teria de ser feito. “Ele disse: ‘vá você conhecer, que aí irá identificar’. Fui, conheci a comunidade dos ciganos em Sousa (PB), em agosto de 1991 e, desde então, temos caminhado juntos".
No sertão paraibano, a comunidade de Sousa, dos calon, é uma das maiores da América Latina e contou com o suporte do Ministério Público Federal (MPF) para a regularização fundiária. Em abril de 2021, o órgão ajuizou uma ação para que fosse declarada a usucapião coletiva de imóveis de quatro comunidades ciganas, em Sousa, distante 432 quilômetros da capital.
De acordo com o MPF, 522 famílias ciganas tinham fixado residência lá, há 40 anos, "por questões de sobrevivência". Eram, ao todo, 1.845 pessoas, a maior comunidade cigana geograficamente fixada do Nordeste brasileiro, e a área que pleiteavam tinha 171.319,08 m² e fazia parte de um território maior reivindicado.
Ter desempenhado função semelhante em prol dos indígenas potiguaras e, seguidamente, dos ciganos demonstrou a Mariz Maia que os dois enfrentam dificuldades diferentes apesar de algumas semelhanças, pois cada minoria étnica tem suas particularidades.
"Enquanto indígenas e quilombolas são vinculados à terra, e a terra recebe deles a identidade e também dá a eles a identidade, os ciganos são grupos étnicos que constroem suas fronteiras identitárias por outras razões. Pelo modo de se expressar, eles têm sua língua própria, pelo modo de construir seus hábitos e se organizarem coletivamente, de manterem, de maneira geral e muito intensa, os casamentos dentro da comunidade", explica.
Ao comparar os contextos, o docente paraibano qualifica como "muito mais judicializada" a atuação do MPF no caso dos ciganos. "Nossa atuação acaba sendo de articulação, de coordenação, de um empoderamento das lideranças locais, fazendo com que possamos mediar contatos com prefeituras, secretarias de estado, lideranças governamentais dos vários níveis, para que os ciganos possam localizar suas demandas. Nós damos o respaldo para apresentar a base jurídica dessas demandas e poderem se converter em políticas públicas", detalha Mariz Maia.