100 anos de Clara Charf: defesa da democracia marca trajetória de luta

Por repórter da Agência Brasil

100 anos de Clara Charf: defesa da democracia marca trajetória de luta

Força, sorriso aberto, obstinação e uma estrada feita de paixões. Apaixonada pela liberdade, pela família, por um grande amor e pelo país. Quem testemunhou a trajetória da ativista brasileira Clara Charf, que completa, nesta quinta-feira (17), 100 anos de idade, a define como uma mulher à frente do seu tempo. 

Quem a acompanhou em algum momento enumera que Clara é uma mulher que precisou se reinventar e superar os dias duros, de prisão, assassinato do companheiro Carlos Marighella (foto), exílio e recomeços.

Atualmente, Clara tem apenas lapsos de memória, como explica a irmã caçula, Sara Grinspum, de 94 anos. Elas vivem juntas em São Paulo. Sarita, como é chamada em casa, afirma que Clara foi uma companheira sempre presente, ainda mais depois que a mãe delas, Ester, morreu precocemente com apenas 42 anos de idade, vítima de tuberculose.

A minha irmã sempre prezou muito pela liberdade e pela vontade de ajudar as pessoas, disse Sarita, em entrevista à Agência Brasil. Clara, referência e ídola da irmã, não foi mãe. "Na vida dela, não tinha como", explica.
 

Inquieta

A documentarista Isa Grinspum Ferraz, autora do premiado documentário Marighella (2012), sobre o tio guerrilheiro assassinado pela ditadura militar em 1969, diz que Clara tem uma história de 100 anos intensamente vividos. Desde sempre, Clara foi uma pessoa inquieta, que queria transformar o mundo e que queria ser uma mulher livre, explica. 

A sobrinha recorda que Clara quis (e conseguiu) ser aeromoça nos anos 1940, quando a profissão sofria com estereótipos. Ela queria voar, ser livre, criar coisas e [tinha] uma preocupação social muito forte, muito grande. Isa pondera que a tia tem uma trajetória de exemplo ao aderir à militância por justiça desde os 16 anos de idade. 

Depois que se ligou ao Partido Comunista Brasileiro, Clara se casou em 1947 com o também ativista Carlos Marighella. Após o golpe militar, o guerrilheiro, nos últimos anos de vida, participou da luta armada, o que fez Clara temer muito pelo destino. Ela também era perseguida por agentes da ditadura e foi presa. Clara é uma mulher apaixonada pelo Brasil, pela América Latina e pelas lutas dos povos do mundo por melhores condições de vida, revela Isa.

Exilada

Isa Grinspum reconhece que a tia viveu profundas dores com a perda do companheiro de vida, assassinado pela repressão em São Paulo. Mesmo assim, avalia, ela sempre foi uma pessoa muito otimista e alegre.

Depois do assassinato de Marighella, Clara foi para o exílio em Cuba naqueles tempos em que o Brasil vivia sob a legislação opressiva do ato institucional número 5 (AI-5), que revogava todas as liberdades individuais. Marighella era o inimigo número 1 da ditadura. A companheira dele, por consequência, também era perseguida. 

Para nós, as crianças da família, sempre foi muito difícil estar longe da tia Clara, Ela passou 10 anos no exílio. Para nós, era um vácuo, revela. A família ficou seis anos sem notícias. Fomos reencontrá-la depois, em 1975, em Portugal, Foi um encontro muito emocionante, recorda a sobrinha. 

Esse encontro também é citado pela irmã, Sara, como um dos grandes momentos de sua vida. Quando a vimos, nos abraçamos muito e estávamos todos emocionados. É inesquecível. Clara voltou ao Brasil em 1979, depois da lei de anistia.