Mudança de país com filhos: o que diz a Convenção de Haia sobre guarda de menores

Advogada brasileira explica questões sobre viagens e guarda que podem acabar como subtração de menores.

Por Arlaine Castro

Mudança dos EUA para o Brasil com filhos por um dos pais requer acordo e cuidados, explica advogada.

Mudança dos EUA para o Brasil com filhos pode se tornar subtração de menores

De acordo com Rizzia Froes, advogada brasileira e mestre em Direito pela faculdade Fordham de Nova Iorque, uma viagem ou mudança dos EUA para o Brasil, por exemplo, envolvem questões de guarda e podem acabar também como subtração de menores.

Froes analisa o cenário atual da pandemia, que fez com que muitos brasileiros optassem por retornar ao Brasil. Porém, para aqueles com filhos menores de idade, caso não seja de comum acordo entre os pais ou responsáveis, a mudança pode ir parar na justiça.

"Devido ao necessário distanciamento social, a rotina de trabalho mudou e milhares de pessoas ficaram desempregadas. Diante às dificuldades financeiras e o alto custo de vida em território exterior, imigrantes decidiram retornar ao Brasil, com seus filhos, para cumprir a quarentena junto à familiares e amigos. E, é nessa ruptura que mora a delicada Convenção de Haia, acordo multilateral que envolve questões de guarda e subtração de menores do seu país de origem", ressalta a advogada.

O tratado de Haia é complexo, com muitas especificidades, segundo Froes, que elencou abaixo os pontos mais relevantes do documento para alertar pais e responsáveis sobre alguns detalhes muitas vezes ignorados durante o processo de mudança de país. "Um mal-entendido comum é a questão da guarda do filho: esse direito nem sempre é sinônimo de completa liberdade para o deslocamento do menor", analisa.

Veja os pontos principais comentados pela advogada.

1.O que é a Convenção de Haia?

A Convenção de Haia é um acordo internacional de 1983 que envolve um pacto mútuo entre vários países, entre eles o Brasil e os Estados Unidos.

O objetivo é regular entre países signatários a subtração internacional de menores. Portanto, os países signatários devem cooperar entre si com o objetivo de restituir ao país de residência habitual, crianças que tenham sido levadas, por um dos genitores, para um outro país, violando assim o direito de guarda de um dos pais ou de qualquer responsável legal pelo menor. É importante salientar, que no Brasil, os pedidos de cooperação internacional são tratados diretamente pela Secretária de Direitos Humanos da Presidência da República.

No Brasil, quando se recebe o pedido de cooperação jurídica internacional, oprimeiro passo da Autoridade Central brasileira é solucionar a questão de maneira amigável, com a notificação administrativa à pessoa que mantém a criança no Brasil.

Nos casos que são admitidos pela Convenção de Haia, o Brasil envia o pedido de cooperação ao órgão governamental do país em que está a criança, o que é repassado ao judiciário local que decide, com base na Convenção, se é caso de retorno ou não.
A decisão considera fatores como o local habitual de residência da criança e as leis que se aplicam ao conflito. Quando se disputa a guarda, prevalece a lei do país de residência original da criança.

Havendo impossibilidade de solução amigável, a Autoridade Central Brasileira encaminhará o caso à Advocacia-Geral da União (AGU), para análise jurídica e eventual ação judicial. Se uma ação judicial for necessária a AGU permanecerá em constante contato com a Autoridade Central brasileira, mantendo-lhe informada de todos os andamentos processuais.

2) Posso me mudar com meu filho tendo a guarda unilateral?

Geralmente não, mesmo que um genitor exerça a guarda de forma exclusiva. Mesmo separados, os pais exercem o poder familiar, então a regra é que os dois deverão decidir sobre o lugar de residência da criança- salvo se o juiz do país de residência da criança autorizar o contrário. O mesmo ocorre com autorização de viagem válida por um determinado período. Essa autorização permite apenas viagens temporárias e não concede o direito para mudança definitiva de residência.

3) O que acontece caso a mãe, mulher brasileira, sofre violência doméstica por parte de seu companheiro estrangeiro?

Infelizmente, essa é uma situação muito comum e que se agravou, ainda mais, durante a pandemia. Nesse caso, se a mulher deseja voltar para o Brasil com a criança, é necessária obtenção da guarda judicial e a autorização do pai da criança para sair do país onde reside. Geralmente, o Consulado brasileiro pode ser um suporte para as vítimas de violência doméstica e orientar a vítima sobre assistência jurídica gratuita. Se mesmo assim, a mulher não conseguir a guarda e/ou a autorização para voltar para o Brasil com a criança, é importante alertá-la que ao viajar ao Brasil com a criança poderá causar sérios problemas judiciais, especialmente no Brasil, já que o país é um dos Estados signatários da Convenção de Haia.
Sem a autorização de viagem, o pai poderá denunciar a mãe à Autoridade Central por sequestro internacional do menor, e a Autoridade Central no Brasil acionará a Interpol para encontrá-la juntamente com a criança.

É muito importante ressaltar que, em caso de violência doméstica, a mulher tenha provas contundentes de que sofreu violência no exterior por parte de seu companheiro. As provas podem ser: registro de ocorrência policial, medidas protetivas, atendimento em serviços de apoio a vítima de violência doméstica, acompanhamento por psicólogos, testemunhas, fotos, documentos, gravações, mensagens etc.

Se a mulher tiver condições de comprovar, ela poderá, acompanhada por advogado particular ou pela Defensoria Pública da União, tentar evitar que as crianças sejam devolvidas ao pai.

Caso a mulher perca a ação de retorno, a mesma será obrigada pela Justiça brasileira a devolver a criança ao país de residência. Porém, a mulher não será alvo de processo criminal no Brasil, ja que a Convenção de Haia não busca condenação dos pais, mas sim a restituição do menor que foi subtraído de forma ilícita do pais de origem.

Mas, ela poderá ser condenada no exterior e poderá ainda ser impedida de voltar ao país para o qual o menor retornar, correndo, assim o risco de perder totalmente o convívio com a criança.

4) O que fazer caso meu filho tenha sido levado para outro país?

É muito importante entender o processo em caso de subtração. Se o seu filho tiver sido subtraído do Brasil para outro país, você deverá procurar a justiça brasileira na cidade onde você reside. Se você ganhar a ação, as autoridades brasileiras irão enviar uma carta rogatória para o juiz estrangeiro responsável solicitando o reconhecimento da sentença brasileira. Tenha em mente, que é um processo extremamente desgastante emocionalmente e possivelmente demorado.

Agora, você poderá optar por iniciar a ação diretamente no país para onde a criança foi levada. Nesse caso, o Juiz responsável daquele país avaliará o caso de acordo com as leis locais. O prazo da ação será provavelmente o prazo padrão da tramitação de casos pelo Judiciário daquele país. Nesse caso, as autoridades brasileiras não terão papel a desempenhar (à exceção do apoio e orientações consulares possíveis).

Com essas informações em mente, é sempre importante buscar orientação e sempre pensar sempre no bem-estar da criança.