México processa empresas de armas nos Estados Unidos por tráfico

Por Arlaine Castro

Mais da metade das "armas de crime" na América Central são dos EUA.

Nos últimos três anos, o governo do México tem seguido uma estratégia de levar à Justiça a indústria de armas americana. Agora, o judiciário dos Estados Unidos autorizou um país a processar esse setor pelo seu papel no tráfico internacional de armas – e para exigir reparações. As informações são da Agência Pública.

A decisão foi amplamente celebrada no México, dado que a indústria de armas americana tem uma grande parcela de responsabilidade no tráfico de drogas, que é hoje o principal flagelo do país.

Segundo dados do governo federal, quase meio milhão de armas americanas entram ilegalmente no país todos os anos. E, enquanto seis em cada dez assassinatos são cometidos com armas de fogo, quase todas são provenientes do país vizinho ao norte. Pelo menos 70% das armas recuperadas em cenas de crime no México entre 2014 e 2018 foram contrabandeadas para o país a partir dos Estados Unidos.

A batalha legal, em curso desde agosto de 2021, levou a duas vitórias históricas nos tribunais federais de Boston, no estado de Massachusetts, e Tucson, no Arizona. “Agora os EUA sabem que estão armando os cartéis que estão inundando o país com uma das drogas mais letais”, diz Jonathan Lowy, o advogado americano que representa o México nessa litigância e que tem lutado nos tribunais contra a indústria armamentista nos últimos 27 anos.

Mercado ilegal para suas armas no México

Nos processos judiciais contra seis empresas americanas, o Ministério das Relações Exteriores mexicano argumentou que essa indústria adotou “esforços deliberados para criar e manter um mercado ilegal para suas armas no México”. Estão no alvo da disputa as empresas Colt, Smith & Wesson Brands, Beretta USA, ?Sturm, Ruger & Company, ?Witmer Public Safety Group e ?D/B/A Interstate Arms.

Entre outros exemplos, os processos mencionam armas projetadas no “estilo militar”, que podem ser facilmente convertidas para permitir disparo automático e cujo design imita símbolos da cultura dos narcotraficantes, além de outros símbolos tradicionais do país, como a bandeira nacional ou a Virgem de Guadalupe, santa padroeira do México. Por exemplo, a empresa Colt produz três modelos de seu revólver Colt .38, com alças gravadas com esses símbolos, bem como uma frase atribuída ao revolucionário mexicano Zapata: “É melhor morrer de pé do que viver de joelhos”. O nome desses modelos não deixa dúvidas qual é o público-alvo: El Jefe (“O chefe”), El Grito (“O grito”) e Emiliano Zapata, nome do general responsável pela Revolução Mexicana em 1920.

Enquanto isso, a empresa Barrett projetou fuzis de calibre .50 capazes de pulverizar blindagem de veículos e que comprovadamente já derrubaram helicópteros do Exército mexicano ao sul do rio Bravo.
“No final de janeiro, o Tribunal de Apelações de Boston reconheceu que essas práticas são ilegais e que a indústria não tem ‘imunidade absoluta’ contra [ser responsabilizada pelo] tráfico ilegal de armas para o México”, explicou Alejandro Silverio Alcántara, assessor jurídico do Ministério das Relações Exteriores.

Como resposta à demanda, em janeiro deste ano o tribunal de Boston, a segunda instância judicial, garantiu ao governo mexicano o direito de processar as fabricantes de armas naquele país. Essa vitória representa a primeira brecha naquilo que tem sido a maior “blindagem” da indústria de armas americana: A Lei de Proteção ao Comércio Legal de Armas (PLCAA), aprovada pelo presidente George W. Bush em 2005, que absolve a indústria de qualquer responsabilidade pelo uso de seus produtos.

Em uma decisão de um tribunal inferior em setembro de 2022, o pedido do México fora rejeitado pelo juiz Dennis Saylor, que escreveu em sua decisão: “Embora o tribunal tenha grande simpatia pelo povo do México, e nenhuma simpatia pelos que traficam armas para organizações criminosas mexicanas, ele está obrigado a seguir a lei”. Ele se referia justamente à PLCAA.

Agora, o tribunal de segunda instância reverteu essa decisão, concordando com a tese apoiada no “amicus curiae”, um documento elaborado por promotores de 18 jurisdições dos EUA que afirma que a PLCAA protege as empresas da indústria contra o uso indevido de seus produtos por terceiros – mas que, dessa vez, o que estava sendo questionado eram as práticas própria indústria.

As fabricantes de armas já protocolaram um recurso na Suprema Corte para barrar o processo judicial.As empresas argumentaram que, sem a intervenção da Suprema Corte dos EUA, a indústria de armas de fogo dos EUA enfrentaria anos de litígios dispendiosos por parte de um "soberano estrangeiro que está tentando intimidar a indústria para que adote uma série de medidas de controle de armas que foram repetidamente rejeitadas pelos eleitores americanos". 

Comprar drogas é ilegal no México

Outro processo, protocolado pelo governo do México no estado do Arizona, teve sua primeira vitória em 24 de março, quando o juiz acatou a possibilidade de tramitação judicial. Nele, o Estado mexicano acusa cinco lojas de armas de fogo, cujos produtos foram comprados por narcotraficantes.