Aumento de casos de bullying reflete na comunidade brasileira na FL

O bullying relacionado à raça e etnia também está associado ao aumento da incidência de agressão verbal e física e afeta mais alunos asiáticos, negros e latinos.

Por Arlaine Castro

Em um vídeo no Instagram, Malu contou sobre o bullying por ser brasileira.

"Tenho sido chamada de porca brasileira na escola. Você acha que isso é normal? Não, não é", diz Maria Luíza Pontes, conhecida pelo apelido Malu, de 11 anos, que há um ano vinha sofrendo xenofobia na escola onde estudava há 9 anos em Orlando, a Windermere Preparatory School.

Filha da atriz Fernanda Pontes, ela publicou um vídeo no perfil da mãe no Instagram onde desabafou.

"Estou sofrendo bullying na escola, o que algumas pessoas dizem que é normal entre estudantes do ensino fundamental. Mas sabe o que não é normal para mim? Xenofobia. (...) Esse é o jeito que pais estão criando seus filhos, a serem malvados, a não ligarem, a fazerem o que eles querem, mas esse não é o jeito de tratar alguém", afirma a menina em recado para pais e responsáveis. E completa: "Tratar as crianças bem e com gentileza gera seres humanos melhores. O mundo seria um lugar mais positivo se todos se esforçassem para serem mais gentis uns com os outros".

O bullying é definido pelo Departamento de Educação da Flórida como "infligir de forma sistemática e crônica dano físico ou sofrimento psicológico a um ou mais alunos ou funcionários que seja grave ou penetrante o suficiente para criar um ambiente intimidador, hostil ou ofensivo; ou interferir de forma irracional no desempenho ou participação escolar do indivíduo".

Seja um apelido maldoso ou a exclusão do colega, o comportamento indesejado e agressivo entre crianças e adolescentes em idade escolar tem mudado a rotina de muitas famílias e afetado milhares de pessoas.

Diante do que aconteceu com a filha, Fernanda busca agora encorajar outras famílias a conversarem com seus filhos e a ouvi-los. "Todos nós merecemos respeito e acolhimento. Quero sim encorajar outras mães a não se calarem diante deste assunto tão sério e necessário! Recebi muitas mensagens de outras mães que estão passando pelo mesmo problema na mesma escola e em outras também, o que é muito triste. Que possamos ter cada vez mais diálogos com nossos filhos e entendimento do quanto é importante respeitarmos o próximo, independente das diferenças", disse ao Gazeta News.

Negros e latinos

De acordo com o National Center for Education Statistics, em 2019, 22,2% dos alunos vítimas de bullying eram negros e 18% eram latinos. Muitos desses alunos sofreram bullying e assédio por causa de suas identidades raciais e étnicas.

O bullying relacionado à raça também está associado ao aumento da incidência de agressão verbal e física. Em 2019, estudantes asiáticos, negros e latinos na Flórida eram mais propensos a serem ameaçados ou feridos com uma arma na propriedade escolar do que estudantes brancos (11%, 10% e 7,9% em comparação com 6,2%).

Uma porcentagem ainda maior de alunos asiáticos (12,9%), negros (18,7%) e latinos (15,1%) na Flórida evitava ir à escola porque se sentia inseguro, em comparação com 8,1% dos alunos brancos.

Impacto mental

A American Children Campaign, de onde os dados citados nesta reportagem foram retirados, diz que crianças em escolas com altos níveis de bullying têm 80% mais chances de desistir dos estudos.

A Associação de Ciências Psicológicas descobriu recentemente que aqueles que são agressores, vítimas de bullying ou ambos têm maior probabilidade de experimentar resultados ruins na vida, como pobreza, fracasso acadêmico e demissão do emprego na idade adulta, do que aqueles que não foram. Além disso, as pessoas afetadas pelo bullying são mais propensas a cometer crimes e abusar de substâncias.

Embora nenhuma lei federal aborde diretamente o bullying, ele pode se sobrepor ao assédio discriminatório quando for baseado em raça, nacionalidade, cor, sexo, idade, deficiência ou religião.

O Gazeta News ouviu Telma Abrahão, biomédica especialista em inteligência emocional e criadora da Educação Neuroconsciente, que explica que é importante a criança ter o suporte da família desde o início para se sentir segura e se abrir. 

"Quando uma criança é vítima de bullying, a primeira coisa que os pais devem fazer é entender como está o relacionamento com ela. Pais muito agressivos e autoritários, que educam na base do medo e da agressividade, a criança pode estar sofrendo bullying e os pais nunca irão saber porque a criança tem medo de contar. Ela tem medo de retaliação, de julgamento, de apanhar. Por isso é importante educar com base no respeito, na confiança, para que a criança saiba que ela pode correr para o pai e a mãe independente do que aconteça. Que ela corra para os pais e não dos pais", ressalta.

E completa que, em casa, "os pais devem conversar com a criança, estimular e fortalecer a autoestima dela, fazê-la entender que não é a opinião do outro que importa, mas sim quem ela é de fato, como se sente. E mais do que falar, é fazer a criança se sentir amada, se sentir querida dentro da família. A criança pode passar a não querer ir para a escola, a não se alimentar, dormir e entrar numa crise. Nesses casos é importante ter acompanhamento psicológico. Importante dizer que o bullying causa traumas, é uma experiência causadora de traumas, então, tanto a família quanto a escola precisam trabalhar juntas para minimizar os episódios de bullying", orienta a profissional. 

Flórida

Embora o bullying seja generalizado, a Flórida ocupa o 9º lugar no país com o menor número de denúncias, segundo o National Center for Education Statistics. Esse número aparentemente baixo de relatórios pode ser devido a requisitos de relatórios inconsistentes nas escolas.

O bullying, conforme definido pela lei da Flórida, exige que exista um desequilíbrio de poder ou uma percepção de desequilíbrio de poder entre o agressor e a vítima, que haja a intenção de causar dano ou sofrimento à vítima e que o assédio seja repetido ao longo do tempo. Os relatórios não incluem incidentes que ocorrem apenas uma vez.

A Flórida relata especificamente os números de bullying por meio de registros de incidentes de bullying em escolas públicas, em vez de auto-relatos de alunos, e as escolas particulares da Flórida não são atualmente obrigadas a relatar incidentes de bullying ao estado. Além disso, os distritos variam em sua capacidade de aceitar denúncias anônimas e online de bullying. Por essas razões, é quase certo que a quantidade de bullying realmente experimentada na Flórida é muito maior do que os relatórios oficiais sugerem.

O Departamento de Educação da Flórida afirma que o bullying nas escolas é o foco cada vez maior para as escolas e distritos da Flórida e para o próprio Departamento de Educação. "O Florida Statute 1006.147, também conhecido como The Jeffrey Johnston Stand Up for All Students Act, exige que os distritos escolares adotem uma política oficial que proíba o bullying e o assédio de alunos e funcionários nas dependências da escola, em eventos patrocinados pela escola e por meio de redes de computadores escolares", diz o órgão.

O que fazem as escolas?

As escolas da Flórida têm jurisdição total para determinar ações disciplinares ou consequências legais para agressores. Embora dar às escolas pleno poder para determinar punições para o bullying possa permitir decisões baseadas em necessidades individuais ou locais, também pode levar a questões de justiça entre as fronteiras do condado.

A Flórida lidera o país em detenções em escolas, encaminhando os alunos para a aplicação da lei a uma taxa 30% maior do que a média nacional. Ao categorizar o comportamento de bullying como criminoso, as escolas da Flórida iniciam a introdução de crianças à aplicação da lei, diminuindo a probabilidade de graduação e aumentando a probabilidade de encarceramentos futuros.

As políticas de “tolerância zero” reforçam o fluxo da escola para a prisão, eliminando a oportunidade de os alunos aprenderem comportamentos corretivos. Além disso, as políticas de tolerância zero têm maior probabilidade de impactar e ser usadas contra alunos com deficiência, alunos de cor e jovens LGBTQ. A Flórida tem três vezes mais chances de prender estudantes negros por infrações escolares e quase oito vezes mais chances de prender alunos com deficiência.

O que o Estado deve fazer 

- Investir em conselheiros para as escolas da Flórida: agressores e vítimas precisam ter acesso a serviços de aconselhamento apropriados para reduzir os impactos negativos e descobrir os principais motivos do comportamento de bullying.

- Expandir as formas pelas quais a Flórida aceita e revisa denúncias de bullying: Atualmente, a melhor prática fornecida pelo Departamento de Educação permite denúncias escritas e orais, mas o acesso a denúncias anônimas difere entre os distritos escolares. A denúncia on-line precisa estar disponível em todos os distritos e a capacidade de receber e analisar denúncias anônimas precisa ser aumentada.

- Incentivar as escolas particulares a denunciar casos de bullying ao Departamento de Educação: As escolas particulares não estão sob a supervisão do Departamento, mas relatam a frequência e outras informações relacionadas à saúde. Relatar casos de bullying em escolas particulares ajudará a identificar todo o escopo do problema enfrentado pelo estado e garantir que as práticas que transferem vítimas de bullying para escolas particulares sejam bem-sucedidas em manter as crianças seguras.

- Priorizar a prevenção baseada em evidências sobre as políticas reativas: continue a seguir as pesquisas de melhores práticas ao elaborar a legislação sobre bullying e mantenha as políticas da Flórida atualizadas à medida que melhores pesquisas e respostas estiverem disponíveis.

- Responsabilizar os agressores, mas não criminalizar o comportamento e as divergências dos jovens: a escola é um lugar seguro para aprender habilidades sociais que moldarão o resto da vida dos alunos. Os alunos devem ter a liberdade de cometer erros sem aumentar o canal da escola para a prisão.

 Atualmente, com mais informações a respeito e mais esclarecimento, as denúncias têm atingido um patamar assustador. Mas isso não quer dizer que os casos aumentaram em comparação com 20 ou 30 anos atrás. Na verdade, o que aumentou foi o entendimento e a coragem para falar, inclusive das crianças, como fez Malu.

"Apagar a luz de outra pessoa não te faz brilhar mais. Aprendi isso e aprendi que o jeito que você aparenta não te define, de onde você vem não te define, mas as suas atitudes sim", destaca a garota.

O Gazeta News entrou em contato com a Windermere Preparatory School sobre o caso e aguarda retorno.