O que o Afeganistão e o mundo perdem com o Talibã

A árdua busca por um exército afegão autossuficiente sempre foi prejudicada por uma realidade básica: os treinadores militares ocidentais não moram lá.

Por POR | ARLAINE CASTRO

Quase todos no Afeganistão sabiam que chegaria o dia em que os Estados Unidos deixariam o povo afegão encontrar seu próprio caminho. Mesmo assim, a decisão do presidente Joseph Biden de honrar a promessa de seu antecessor, Donald Trump, e retirar os 2,5 mil soldados remanescentes designados no país, veio repentinamente, com pouca explicação para o momento. Além disso, o repentino ressurgimento do Talibã — de alguma forma subjugando os 300 mil militares afegãos, apesar de ter um quarto dos combatentes — prenuncia um desfecho que pode muito bem ser menos afortunado do que o de nosso intérprete ao ser abandonado pelos militares dos Estados Unidos 11 anos antes.

O fato de o exército afegão ter se rendido tão rápido ao Talibã não deveria ter surpreendido o governo Biden. Se algum padrão consistente persistiu nas últimas duas décadas, é este: os líderes políticos dos Estados Unidos elogiavam a crescente capacidade das forças armadas afegãs, apenas para não divulgar uma data precisa para a saída das tropas norte-americanas do país. A árdua busca por um exército afegão autossuficiente sempre foi prejudicada por uma realidade básica: os treinadores militares ocidentais não moram lá. Os soldados afegãos e o Talibã sim. Ouvi isso várias vezes durante minhas viagens, de fazendeiros, de imãs e do Talibã: o tempo estava do lado do grupo extremista. Os militantes se esconderiam enquanto fosse necessário, até que um presidente norte-americano finalmente decidisse que a ótica de estar preso em uma guerra eterna era politicamente insustentável. Contudo o Talibã não responde a nenhum eleitorado.

Na direção oposta à decisão da retirada do exército dos Estados Unidos do Afeganistão estão os muitos avanços que o país teve durante os 20 anos em que o Talibã foi mantido, de certa forma, afastado. Eleições democráticas foram realizadas em todas as províncias, um feito emocionante apesar da resistência considerável — como quando uma mulher da província de Paktika, que estava concorrendo ao Parlamento, me disse que duvidava de suas chances, visto que um grupo de homens estava indo de porta em porta confiscar os títulos eleitorais de mulheres. ("Olhe", disse Karzai quando levantei o assunto para ele em 2005, "se uma mulher de Paktika pode concorrer ao Parlamento, você não sabe o que isso significa! É um grande progresso!".) Escolas para meninas foram abertas, pois o Talibã proibia a educação para o sexo feminino. A eliminação dos campos de papoula que serviam para financiar o Talibã estava progredindo lentamente, pelo menos em algumas províncias.

Em tudo isso, a generosidade norte-americana teve um papel grandioso. Em 2010, descobri uma variedade impressionante de projetos econômicos subsidiados pelo Ocidente. Somente na província de Nangarhar, havia uma fábrica têxtil movida a energia hidrelétrica, novas pontes, canais de irrigação e represas, uma cooperativa de tecelagem feminina, uma fábrica de batatas fritas, uma fábrica de processamento de mel, uma outra de doces e um vasto mercado de produtos na cidade de Jalalabad. Mesmo assim, foi perturbador ouvir o vice-diretor do mercado me dizer: "este país ainda está em guerra. Não podemos lutar com nossos próprios recursos. Se um país está em guerra há 30 anos, pode levar 80 anos para ser reconstruído".

Investimentos dessa escala nunca foram feitos em comunidades de baixa renda e que haviam sido assoladas pela violência nos Estados Unidos, pensei. Os contribuintes norte-americanos poderiam tolerar isso no Afeganistão? Por até 80 anos? As perguntas respondem a si mesmas.

Texto: ROBERT DRAPER, da National Geographic.