As mulheres que lutaram e foram esquecidas

Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, Bárbara de Alencar, Urânia Vanério, Maria Felipa de Oliveira, Maria Leopoldina e Ana Lins, além de Maria Quitéria.

Por POR | ARLAINE CASTRO

"No dia 1º de abril de 1823, ao lado de outras mulheres, Maria Quitéria, com água quase até o pescoço, avançou em direção a uma barca portuguesa e impediu o desembarque dos que não reconheciam a Independência", descreve o jornalista Eduardo Bueno, autor de Dicionário da Independência — 200 Anos em 200 Verbetes. "Dom Pedro I a condecorou com a insígnia de Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro".

Terminada a guerra, Maria Quitéria voltou para casa. Meses depois, se casou com o agricultor Gabriel Pereira de Brito, com quem teve uma filha, Luísa Maria da Conceição. Morreu em 1853, aos 61 anos, quase cega e sem dinheiro. Quanto ao seu pai, ele nunca a perdoou por tê-lo desobedecido.

O nome de Maria Quitéria de Jesus (1792-1853) não pode faltar em nenhuma antologia que se propõe a resgatar grandes personagens femininos da História do Brasil. Como o recém-lançado Independência do Brasil — As Mulheres que Estavam Lá, organizado por Heloísa Starling e Antonia Pellegrino.

A obra apresenta a biografia de sete autênticas heroínas, como Hipólita Jacinta Teixeira de Melo (1748-1828), Bárbara de Alencar (1760-1832), Urânia Vanério (1811-1849), Maria Felipa de Oliveira (1800-1873), Maria Leopoldina (1797-1826) e Ana Lins (1764-1839), além de Maria Quitéria.

"As mulheres reunidas neste livro têm um traço em comum: elas assumiram protagonismo e decidiram agir politicamente em público, o espaço por excelência da política, um espaço rigorosamente proibido para uma mulher", explica a historiadora e cientista política Heloísa Starling. "Seja no Brasil, seja na Europa, as mulheres atuavam confinadas em casa. Podiam ganhar a vida com o próprio trabalho ou, então, sustentar maridos. Mas, de jeito nenhum, podiam reivindicar voz pública, visibilidade e participação política".

Coordenadora do Projeto República, núcleo de pesquisa, documentação e memória do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Heloísa acrescenta que as sete personagens do livro levaram a sério um projeto de Independência para o Brasil. E viveram esse projeto de diferentes maneiras, partiram de patamares sociais desiguais e atuaram de forma diversa.

Algumas empunharam armas. Outras se engajaram no ativismo político. Outras, ainda, fizeram uso da palavra escrita no debate público. Mas, todas recusaram o lugar subalterno que lhes era reservado. "Até hoje, sabemos pouco ou quase nada sobre a história dessas mulheres e o modo como se posicionaram na cena pública brasileira durante a Independência. Seu protagonismo continua ignorado. A vedação ao acesso da mulher ao mundo público foi de tal forma enraizada na sociedade que se mantém no centro da desigualdade de gênero até hoje. Para as mulheres brasileiras, a fronteira da política foi e continua sendo a mais difícil de transpor".

Além de organizar a obra, Heloísa Starling assina o capítulo dedicado à mineira Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, a única mulher a participar da Conjuração Mineira, em 1789, um dos principais movimentos separatistas do Brasil Colônia, que abre a antologia.

Hipólita escreveu cartas para o marido e demais inconfidentes, relatando a prisão de Tiradentes e denunciando a traição de Joaquim Silvério dos Reis (1756-1819). Pedia a todos que tomassem cuidado e lembrava a eles que estavam lutando por algo maior. "Quem não é capaz para as coisas, não se meta nelas", dizia a carta. "Mais vale morrer com honra do que viver com desonra".

Duas das heroínas do livro lideraram revoltas populares: Maria Felipa de Oliveira, na Ilha de Itaparica, na Bahia, e Bárbara de Alencar, em Crato, no Ceará.

Texto: BBC Brasil.