O que é ser politicamente correto?

"Todo esse debate tem pouco impacto se a sociedade não mudar junto. Ou seja, não adianta trocar uma palavra racista por outra se o racismo continuar presente."

Por POR | ARLAINE CASTRO

Afinal, o que é ser politicamente correto? Especialistas afirmam que ele surgiu como um movimento de esquerda em defesa da substituição de expressões, atitudes e percepções socialmente aceitas, mas ofensivas ou ameaçadoras para alguns grupos da sociedade, como mulheres, negros, indígenas, homossexuais e pessoas com deficiência.

Só que pouco tempo depois do surgimento do "politicamente correto", nos anos 1970, a direita americana conseguiu associar um significado negativo à expressão: ela passou a significar uma forma de censura, de ataque à liberdade de expressão e de um suposto vitimismo.

Muitos traçam paralelos com o livro 1984, do escritor britânico George Orwell. No livro, um regime ditatorial adota uma língua oficial em que as palavras somem de livros, jornais e documentos ao serem proibidas, e as pessoas têm cada vez menos possibilidade de se expressar. No Brasil, aliás, a expressão muitas vezes é complementada como "ditadura do politicamente correto".

Mas a briga em torno das palavras e atitudes não para por aí: muitas minorias passaram a argumentar que a expressão virou uma espécie de arma usada para silenciá-las — ou seja, elas não podem mais fazer críticas ou questionamentos porque são acusadas de ser politicamente corretas. Ou são acusadas de se vitimizarem, exagerarem, praticarem patrulha ideológica, serem sensíveis demais ("geração floco de neve") ou fazerem mimimi ("mimizento").

Para entender todas as camadas desse debate sobre politicamente correto, a BBC News Brasil explica as origens dessa expressão na esquerda e como ela foi apropriada pela direita. Em seguida, lembra como um livro do escritor Monteiro Lobato reacendeu esse debate no Brasil. E, por fim, detalha como os cancelamentos e a linguagem neutra deram novas formas aos embates sobre politicamente correto.

E para além disso tudo, muitos especialistas defendem que todo esse debate tem pouco impacto se a sociedade que criou essas expressões não mudar junto. Ou seja, não adianta trocar uma palavra racista por outra se o racismo continuar presente entre as pessoas.

Especialistas apontam que a expressão surgiu e se popularizou entre os anos 1970 e os anos 1990 em universidades dos Estados Unidos.

Clive Hamilton, professor de Ética Pública da Universidade Charles Sturt, na Austrália, diz que, quando surgiu, "politicamente correto" era uma espécie de paródia entre ativistas de esquerda a partir de uma tradução de textos comunistas da China, principalmente aqueles da Revolução Cultural, considerados doutrinários ou orwellianos (em referência a 1984).

Segundo Hamilton, "o politicamente correto era 'político' no sentido de que visava provocar mudanças sociais em um momento em que atitudes racistas, sexistas e homofóbicas encontravam expressão na linguagem cotidiana e não eram censuradas, embora as palavras fossem humilhantes, depreciativas ou ameaçadoras para as minorias em questão".

O Dicionário Conciso de Política da Universidade de Oxford conta que esse influente movimento em universidades americanas defendia o princípio de ações afirmativas e noções de multiculturalismo, promovendo discursos e comportamentos antissexistas e antirracistas.

"O movimento pelo politicamente correto buscava mudanças nos currículos de graduação que enfatizassem o papel de mulheres, pessoas não brancas e homossexuais na história e na cultura, e atacava a dominação da cultura ocidental por homens brancos europeus mortos", diz o dicionário. Assim, houve um processo gradual de reforma da linguagem política para banir termos considerados ofensivos.