Volks com Elis Regina: os dilemas de usar a IA

Serão avaliados, entre outros pontos, se é ético recriar a imagem de uma pessoa já morta e se a peça cria confusão entre ficção e realidade, principalmente para espectadores menores.

Por POR | ARLAINE CASTRO

Uma campanha publicitária que mostra a falecida Elis Regina e sua filha Maria Rita fazendo um dueto provocou reações antagônicas nas redes sociais.

Na peça da montadora Volkswagen, a cantora que morreu na década de 1980 foi trazida de volta à vida usando Inteligência Artificial (IA). Ela aparece dirigindo uma Kombi e cantando Como Nossos Pais, de Belchior.

Enquanto muitos fãs e internautas elogiaram e se emocionaram com a propaganda, outros questionaram se é ético usar a imagem de uma pessoa que não está mais viva em um contexto fictício.

Na segunda-feira, 10, o dilema chegou a um novo patamar: o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) abriu um processo ético para avaliar a peça publicitária, após receber queixas de consumidores.

A entidade, cujas decisões costumam ser seguidas pelos anunciantes, afirmou que o caso deve ser julgado nas próximas semanas.

Serão avaliados, entre outros pontos, se é ético recriar a imagem de uma pessoa já morta e se a peça cria confusão entre ficção e realidade, principalmente para espectadores menores de idade.

Ao portal G1, a empresa afirmou por meio de nota que "a utilização da imagem de Elis Regina na campanha foi acordada com a família da cantora".

"A intenção da Volkswagen com a campanha foi destacar a transição das gerações e a renovação da marca", continuou a empresa.

"A Volkswagen se orgulha de ser uma marca presente na vida dos brasileiros, com mais de 25 milhões de veículos produzidos no País, e reforça seu compromisso, seguindo sua estratégia mundial, de ser uma empresa cada vez mais humana e próxima das pessoas, promovendo inclusive ações como esta, que possibilitou o encontro de mãe e filha, duas estrelas da música que estão presentes nos corações dos brasileiros", concluiu a nota.

À BBC News Brasil, o sociólogo e coordenador de impacto do Centro de Inteligência Artificial da Universidade de São Paulo (USP) Glauco Arbix afirmou que o assunto é de fato controverso, seja porque suscita debates sobre os efeitos psicológicos de trazer pessoas mortas à vida usando tecnologia ou porque toca em questões como consentimento, veracidade e finitude da vida.

Para Arbix, há muitos riscos em usar IA de forma não transparente, informada ou consciente, especialmente quando há um deslocamento espacial ou atribuição de declarações inverídicas à pessoa retratada.

"Não é porque você pode fazer que deve fazer", diz. "Uma coisa é você guardar na sua gaveta um filme de alguém que morreu para assistir algumas vezes, outra coisa é recriar (a imagem dela) em condições novas, como se ela ainda estivesse viva."

Segundo o professor da USP, nossa sociedade não está pronta para lidar com esse deslocamento espacial e circunstancial de figuras já falecidas e fazer isso pode ser "perturbador" para algumas pessoas.

"A finitude da vida está sedimentada na história social. Mesmo para aqueles que creem em vida após a morte, é algo sempre mais inacessível e distinto do que vemos agora, para o que não estamos prontos como sociedade."

A campanha da Volkswagen não foi a primeira a usar a inteligência artificial para encenar realidades com pessoas já mortas.

No filme Rogue One: Uma História Star Wars, a atriz Carrie Fisher também foi recriada digitalmente para aparecer como a jovem Princesa Leia. Em junho, o músico Paul McCartney disse que a inteligência artificial havia sido usada para que a voz de John Lennon - morto em 1980 - pudesse ser usada numa nova música.

Texto retirado do site BBC Brasil.