Por: Letícia Kfuri
Tomou posse em janeiro o novo cônsul do Brasil em Miami, embaixador Luiz Augusto de Araújo Castro. Diplomata de carreira, Araújo Castro já esteve à frente das embaixadas do Uruguai, México e Peru. Ao longo de sua carreira desempenhou inúmeras funções de destaque no panorama mundial. Entre elas, foi representante permanente do Brasil nas Nações Unidas, em New York, representante permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington, presidente da Comissão de Desarmamento das Nações Unidas e Presidente da Comissão de Segurança Hemisférica da OEA.
Em entrevista exclusiva ao Gazeta Brazi-lian News, o embaixador falou de seus projetos para aproximar o consulado da comunidade brasileira, de crise econômica e imigração. Ele se mostrou confiante em dias melhores para a economia norte-americana, elogiou o panorama econômico brasileiro, e disse acreditar que, por precisarem da mão-de-obra imigrante, os EUA, provavelmente, encontrarão uma forma de legalização dos indocumentados.
Gazeta - O Sr. sucede o Embaixador João Almino, que teve uma gestão marcada por iniciativas culturais no Consulado. Qual deve ser a marca da sua gestão?
Araújo Castro - São mais de 300 mil brasileiros que moram no estado da Flórida e, sobretudo, no Sul da Flórida. A função, hoje em dia, prioritária, do Consulado é essa função de aproximação com os brasileiros. Tentar servir como ponto de apoio para eles, não só no atendimento diário. A sala de espera está diariamente cheia de gente que procura o consulado para tirar passaporte, registrar o filho, fazer procurações, tirar documento militar, CPF, como também outro tipo de atendimento. O pessoal que está preso, que está detido por questões migratórias, que está prestes a ser deportado, ou brasileiros que, por diferentes motivos, estão em dificuldades graves, por motivos de doenças, problemas de diferentes ordens. A idéia é transformar o Consulado, não em uma repartição governamental. A idéia é que aqui, tenham a certeza que serão bem tratados, serão bem vindos. Isso aqui é a casa do brasileiro. Podem vir.
Uma coisa que pretendo fazer é me encontrar com brasileiros nas diferentes áreas onde a comunidade brasileira se faz presente. Já tenho atividades previstas em Pompano Beach, Fort Lauderdale, e outras regiões. Quero ir lá, quero conhecer onde há mais brasileiros.
Já tive contato também com outro importante grupo de brasileiros, que é o grupo de empresários brasileiros. É outra vertente importante do meu trabalho. O Brasil teve, em 2006, $11 bilhões de comércio com a Flórida. De todos os países do mundo, o Brasil é o maior parceiro da Flórida. Temos presença importantíssima de empresas brasileiras traba-lhando aqui na Flórida em diferentes áreas. Já tive contato com pessoal da Embraer, da Odebrecht, da TAM, com o pessoal do Banco do Brasil. Esse lado empresarial que complementa o lado de atenção à comunidade.
E o outro lado, que é esse lado cultural, é fundamental. Participei de evento promovido pela Universidade de Miami, do Center for Hemisferic Policy, que tem promovido uma série de eventos com personalidades da América Latina. Outra coisa são as promoções culturais do Consulado. Quero dar todo apoio aos eventos culturais, que têm contado com o apoio do Consulado, canalizando o apoio do governo brasileiro nessas áreas, ou mesmo quando não há recursos, que são sempre escassos, tentar mobilizar o empresário brasileiro, para ver se consigo apoio para esses eventos. Sei que há eventos de grande prestígio aqui, que eu pretendo levar adiante, na área de cinema e vários outros, e eu quero dar toda a força, levar isso adiante. Quero que isso se amplie.
Gazeta - De que maneira o Sr. acredita que é possível melhorar a qualidade dos serviços no Consulado?
Araújo Castro - Tenho feito reuniões freqüentes com o pessoal aqui, tenho ido na sala de espera para ver como a coisa está sendo feita, e tenho procurado conversar com todos os funcionários. Mas quero também a contribução, idéias e sugestões da comunidade brasileira. Acabei de chegar, mas quero sugestões para saber o que o Consulado pode fazer para ser mais eficiente, mas simpático, mais agradável. Vejo que pessoas ainda têm que esperar um pouco de tempo para um documento ficar pronto. Como é melhor fazer? É melhor esperar algumas horas para ter um documento pronto, ou combinar um outro dia para essa pessoa voltar?
No final de outubro, começo de novembro, tivemos uma reunião em Washington com todos os consules nos EUA, com representantes do Itamaraty, para trocar idéias sobre como atender à comunidade brasileira. O interessante nessa reunião foi a percepção de que a atuação, a presença da comunidade brasileira não é a mesma. A comunidade brasileira em Miami é muito diferente da comunidade em New Jersey. Temos que levar isso em consideração.
Outro ponto discutido nessa reunião, foi o lado de verificar e tentar estimular e reunir, classificar pesquisas que estão sendo feitas nos EUA ou no Brasil sobre o fenômeno migratório brasileiro nos EUA. Há vários estudos acadêmicos sendo feitos tanto em universidades americanas quanto do Brasil, sobre as características das comunidades brasileiras, motivos pelos quais brasileiros migram e certamente vão começar a estudar também o retorno.
Gazeta - Qual é a sua impressão sobre esse fenômeno do retorno?
Araújo Castro - Esse é um fenômeno novo. Combina tanto a insegurança financeira quanto o status do brasileiro aqui. Isso aqui não é mais aquilo de todo mundo empregado, vivendo sem que ninguém pedisse documento. E há o fato de que o Brasil está vivendo um excepcional momento econômico. O País está crescendo, o nível de emprego está subindo. E as pessoas que adquiriram conhecimentos especializados aqui nos EUA, hoje em dia, têm a idéia de que, se voltarem para o Brasil, serão empregados. Não é uma garantia, mas o clima é esse. Por que ficar aqui com toda insegurança, apesar de que esse é um lugar lindo, se pode voltar para casa, ficar perto da família? Eu acho que pode estar acontecendo isso. Dizem também que há esse medo. A política migratória endureceu, eles estão mais ativamente procurando imigrantes indocumentados.
É claro, que tudo dependerá do resultado das eleições, mas pela sua experiência, o Sr. acredita em um política migratória que permita a legalização dos indocumentados?
Eu tendo a acreditar porque, obviamente essa é uma decisão que o governo americano vai ter que tomar, os órgãos americanos, o Congresso e o Executivo. Mas, se eles têm, hoje, nos EUA, mais de 10 milhões de indocumentados, são dados oficiais do governo americano... a economia americana funciona com esses milhões de pessoas indocumentadas. O País não vai poder funcionar se, de repente, de uma hora para outra, essas pessoas deixarem de trabalhar nos EUA. Então, alguma coisa vai ter que acontecer. É óbvio que eles precisam dessa mão-de-obra.
Gazeta - Uma lei de Imigração mais rígida pode, na sua opinião, levar a um extremo de verdadeira falta de mão-de-obra?
Araújo Castro - Não, acho que isso não vai acontecer. Eles vão encontrar uma solução. Porque, como é que eles vão fazer? Vão colocar 12 milhões de pessoas pra fora? Vão levar até a fronteira do México e deportar? Não é prático isso acontecer. Eles ficam fazendo pequenos movimentos para deportar porque acho que têm necessidade política de fazer isso. E é localizado. Em diferentes lugares têm tido diferentes atitudes. Nós, é claro, temos que respeitar a posição oficial do Consulado, de respeito à legislação, de que todos têm que estar com sua a situação legalizada. Não podemos incentivar a ilegalidade e, inclusive, ativamente desencorajamos qualquer tentativa de entrar no País de forma irregular. Fui embaixador do Brasil no México. Tive a tristeza de presenciar e acompanhar, centenas e centenas de brasileiros que tentaram entrar do México para os EUA atravessando a nado os rios do Texas, ou atravessando o deserto do Arizona. Alguns morreram, ou afogados, ou no deserto, de calor. Absolutamente trágico. Eu tinha, permanentemente, no centro de detenção, no México, cerca de 80 a 100 brasileiros, que ficavam pouco tempo e eram embarcados de volta para o Brasil.
Gazeta - Recentemente, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, lançou a Cartilha do Imigrante, e anunciou a intenção de implantar Casas do Trabalhador em diversos países, inclusive nos EUA. O Sr. tem informações sobre o andamento deste projeto? E quanto à cartilha, não lhe parece, de certa forma, um incentivo à imigração ilegal?
Araújo Castro - Eu tive conhecimento disso recentemente, não tive oportunidade de ver, mas a cartilha foi elaborada pelo pessoal do Ministério do Trabalho e do Itamaraty. Não é, de forma alguma, para incentivar a imigração ilegal. Pelo contrário, é para tentar dar apoio a uma realidade. Nós não podemos deixar de reconhecer a realidade de que só nos EUA há mais de 1 milhão de brasileiros. E nós temos que dar apoio a esse pessoal, independentemente do status legal, do tipo de papel que eles têm ou não têm. Todo mundo merece o nosso respeito e o nosso carinho e apoio. Quanto à iniciativa da Casa do Trabalhador tenho pouquíssima informação. Mas todos os Consulados e Embaixadas do Brasil já têm essa função de diálogo com a comunidade brasileira. Isso tem aumentado muito da última década para cá.
Existe algum serviço do Consulado que o Sr. diria que merece mais divulgação?
O Serviço de Assistência a Brasileiros em dificuldade. É voltado para uma minoria de pessoal que está com problemas de polícia, ou problemas legais mais graves, ou de saúde, que procuram o consulado para dar assistência. Essa demanda tem aumentado nos últimos anos. E a idéia é tentar estruturar isso o melhor possível. Periodicamente, o pessoal vai visitar os brasileiros que estão detidos. A maioria por questões migratórias. Nós temos obrigação de dar assistência consular a qualquer brasileiro que solicitar. Se houver um brasileiro preso, os americanos têm obrigação de comunicar, imediatamente, ao consulado brasileiro. E eles têm interesse que isso seja feito porque no Brasil, se um americano for preso, eles querem a reciprocidade. Eles cumprem isso, e facilitam o acesso. O Consulado entra em contato e verifica se necessitam de auxílio, pergunta se estão sendo bem tratados, se têm advogado, se querem que faça contato com alguém. E acontece muito também o inverso, de casos de familiares de pessoas que deixaram o Brasil e nos pedem para localizar um parente.
Gazeta - Qual é a sua interpretação deste momento econômico pelo qual passam os EUA?
Araújo Castro - A grande especulação em torno disso é até que ponto isso vai, ou não, afetar o Brasil. E, por todos os indícios, o Brasil está vivendo um momento particularmente positivo. Mas, pelo que eu tenho me informado, os próprios americanos não têm a menor idéia. Hoje de manhã, estive com um grupo de empresários, e a conversa era um pouco isso. Isso pode durar dois meses, pode durar seis meses.
Nem mesmo na televisão, nesses debates, você não vê ninguém falando em uma longa recessão. Esse é um desses altos e baixos da economia. Você olhando em volta, o aspecto é de prosperidade. Você não sente um país parando e entrando em crise. Não é a impressão que dá.
A crise imobiliária é uma coisa grave e específica, e muito específica dos EUA. Isso é uma coisa que afetou, especificamente, o sistema bancário americano.
E o ponto focal de economia do imigrante, era o imóvel. Uma vez que o imóvel perde o valor, é complicado.

