O ajuste de contas - Negócios e Empresas

Por Gazeta News

Luiz Henrique Perlingeiro - Consultor Sênior da Westchester Financial Group

Era outono e os índios de uma reserva americana perguntaram ao novo chefe se o inverno iria ser muito rigoroso ou se, pelo contrário,poderia ser mais suave. Tratando-se de um chefe índio, mas da era moderna, ele não conseguia interpretar os sinais que lhe permitissem prever o tempo.

No entanto, para não correr muitos riscos, foi dizendo: “Sim, senhor”. Deveriam estar preparados e cortar a lenha suficiente para aguentar um inverno frio.

Mas como também era um líder prático e preocupado, alguns dias depois teve uma ideia.

Dirigiu-se à cabine telefônica pública, ligou para o Serviço Meteorológico Nacional e perguntou:

“O próximo inverno vai ser frio ?”

“Parece que na realidade este inverno vai ser muito frio”, respondeu o meteorologista de serviço.

O chefe voltou para o seu povo e mandou que cortassem mais lenha.

Uma semana mais tarde, voltou a falar para o Serviço Metereológico :

“Vai ser um inverno muito frio?”

“Sim”, responderam novamente do outro lado, “o inverno vai ser muito frio”.

Mais uma vez o chefe voltou para o seu povo e mandou que apanhassem toda a lenha que pudessem sem desperdiçar sequer as pequenas cavacas.

Duas semanas mais tarde voltou a falar para o Serviço Metereológico Nacional:

“Vocês têm a certeza que este inverno vai ser mesmo muito frio?”

“Absolutamente”,respondeu o homem, “vai ser um dos invernos mais frios de todos os tempos”.

“Como podem ter tanto a certeza?”, perguntou o chefe.

O metereologista respondeu: “Os índios estão a arrecadar lenha que nem uns doidos”.

É assim que funciona.

A piada acima, publicada na internet, de forma anônima, bem reflete a realidade de um mundo que a todos engolfou, inclusive o mercado de capitais. Junto, trazendo problemas e dificuldades àqueles que dele dependem; isto é, todos, no mundo capitalista.

Poderíamos desenvolver esta coluna sob um ângulo mais formal e acadêmico e dissertar sobre formas de ensino e interpretação dos fatos econômicos, o uso da ética em ambiente de trabalho, ou, sendo menos objetivos, discursar sobre valores ideológicos que julguemos fundamentais, que não seguidos levam a desastres e tristezas para todos. Mas em realidade, o que se transformou foi o mundo, não sem copiar erros do passado e temperando-se em um ambiente econômico satisfatório que gerou a muitos lucros desmedidos, jamais vistos, alguns obtidos em um piscar de olhos.

A ambição desmedida, insuflada pela permissividade e uma presunção de impunidade fez com que irregularidades, quebras de ética e comportamentos menores, sempre buscando o rápido e milionário retorno, se expandissem, deixando a falsa impressão de que o céu seria o limite, sem travas ou reservas. Como sempre ocorreu em momentos semelhantes, não houve um bom fim para o sonho do lucro fácil e o sucesso perene, garantido. Ao contrário, seguiu-se o desfecho tradicional do estouro e da perda de tudo ou quase tudo conquistado, arrolando no desastre provocado todos aqueles envolvidos no processo direta ou indiretamente, já que não há condições de se separar quem se beneficiou ou quem não se beneficiou. Na verdade, o sistema e todos nele inseridos se aproveitaram de alguma forma da louca e enfurecida tempestade de aparente bonança e dádivas que pouco ou nada requeriam para suas conquistas. Em realidade, podemos classificar os beneficiários como os que se beneficiaram muito e os que se beneficiaram pouco.

E é sobre essa divisão que concentraremos nossas palavras finais.

Certamente houve uma injusta divisão dos espólios de uma conquista pacífica, porém ávida, de tudo que representasse valor e riqueza. Subidas extraordinárias , artificialmente insufladas por mentes perigosas, pois doentias, mas muito bem preparadas, dos preços dos ativos. Os imóveis encabeçando a lista e dando o sustentáculo a uma farra incontrolável que fez crescer e aumentar riquezas.

Passada a tempestade, vem a necessidade de se ajustar o sistema para mantê-lo justo e aberto às ambições legítimas de todos. É a conta da festa celebrada e da farra que se seguiu. Por uma questão de lógica simples, é mais do que justa a divisão da conta entre os beneficiários. Em português simples e direto: quem mais se beneficiou (os ricos) devem ser responsáveis por um desembolso maior do que os demais, que se aproveitaram menos (os mais pobres). Todos terão que pagar, mas em proporção a seus ganhos e riqueza. Não é uma forma complicada de ajuste, pois justa, simples e objetiva.

Os governos de quase todo o mundo terão que se conformar com esta evidência. Atrasar o processo, na esperança que outro momento, chamemos de bolha ou outro nome, repita a abundância existente é ser insensível a todos que nos cercam. O risco de mais ou tudo perder, já que os pobres e os “não-ricos” são a maioria, é grande. O acerto, agora, é o melhor negócio. Um acordo é sempre melhor que uma disputa longa e arriscada.

Em todo o mundo vemos movimentos direcionados a cobranças derivadas de injustiças e tratamentos desiguais dispensados no passado pelas camadas mais ricas e poderosas da sociedade. Ditaduras encrustadas no Oriente Médio viram seus fins. No coração do capitalismo, Wall Street, abertamente as críticas avolumam-se, separando radicalmente pessoas que até pouco tempo comungavam de ideias semelhantes. Outros países seguirão. No Brasil, chega a notícia que no Rio de Janeiro, a Cinelândia, no centro da cidade, foi ocupada por grupos inspirados no movimento de Wall Street.

Quanto mais rápido chegarmos a um entendimento pragmático e civilizado, melhores condições teremos para desenvolver nossos negócios e voltar a viver de forma calma e tranquila, quando poderemos prever e planejar nossos futuros.