O bom cabrito berra
Infelizmente, não é sempre, mas de vez em quando a gente se lembra de que as grandes verdades estão definidas nos ditos populares. O velho jargão do latim “Vox Populi Vox Dei” desafia o tempo e segue se aplicando com exatidão às situações da vida cotidiana.
Os desdobramentos do recente episódio protagonizado pela ex-manager do condomínio Brookfield Gardens Building One, em Deerfield Beach, acaba de provar que a melhor forma de se defender seus direitos e fazer ouvir claramente a sua voz, é....berrar.
Sim, berrar no sentido de não calar, não consentir que seus direitos humanos e civis sejam enxovalhados pelo preconceito, ignorância e truculência.
E quem ainda duvida da força que a imprensa comunitária brasileira tem na defesa dos interesses da própria comunidade, deve reavaliar esse bizarro conceito.
Foi justamente a indignação gerada pela reportagem do Gazeta sobre esse episódio, que “balançou o coreto” dos anti-imigrantes e fez valer, por parte dos proprietários de apartamentos no referido condomínio, uma radical mudança de atitude.
A gerente que aterrorizava os inquilinos, a maioria brasileiros, com ameaças de chamar a Imigração, exigia comprovação de status imigratório, e tirou o sono de dezenas de famílias trabalhadoras, decidiu “renunciar”. Muito provavelmente foi “aconselhada” a renunciar para não passar o vexame de ser simplesmente destituída do cargo.
Esses mesmos proprietários, fazendo valer a velha e boa tradição norte-americana do “business is business” , mandaram a mensagem de que não só apreciam enormemente a presença das famílias brasileiras, hispânicas e haitianas nos seus apartamentos, como deploram toda e qualquer atitude discriminatória.
Tanto melhor. Essa foi uma batalha de certa forma vencida até com certa rapidez.
Por trás desse triste episódio, que expôs como um segmento minoritário, mas feroz, da sociedade norte-americana, encontra na imigração ilegal o culpado para todos os seus males, ficam lições muito proveitosas.
A primeira delas é justamente a que aponta para a necessidade, cada vez maior, que temos em nossa comunidade, de lideranças políticas que nos representem, vozes qualificadas e identificadas com os verdadeiros interesses dos brasileiros na América, para que possamos lutar “dentro das regras do jogo” da própria sociedade norte-americana. Já temos esses líderes, com capacidade e vontade. Falta que nos unamos em torno deles, que os motivemos e proporcionemos condições para que essa representatividade seja efetiva e legítima.
Em seguida, vem a constatação de que nossa grande tribuna de defesa são mesmo os jornais e revistas comunitários. Infelizmente, o que temos de televisão brasileira nos Estados Unidos se divide entre a importação de enlatados do Brasil, sem nenhum compromisso com a vida real dos consumidores brasileiros destas mesmas programações, e do outro, ainda limitados, apesar de louváveis esforços de programações comunitárias alternativas.
Não fosse a dedicação de jornais como o Gazeta e outros, aos temas que realmente afligem a nossa comunidade, estaríamos “num mato sem cachorro”.
Em terceiro lugar, vem o velho ditado, e que se aplica como uma luva no jeito de ser e de pensar do povo norte-americano: “o bom cabrito berra”. Reclame sempre e insistentemente pelos seus direitos. E, mesmo que muita gente lhe intimide, ameaçe ou levante a hipótese de lhe causar sérios problemas, acredite que, neste país, pelo menos, até prova em contrário, TODOS são inocentes e têm DIREITOS. Mesmo os indocumentados.
Como nós, brasileiros, viemos de um país onde o conceito de justiça está totalmente atrelado ao poder aquisitivo e aos “pistolões” , o famoso “quem é quem”, ficamos muitas vezes acuados, inibidos em exigir que nossos direitos humanos e civis sejam respeitados no país que orgulhosamente se define - e concordamos - como “O Império da Lei”.
Finalmente, a mais lógica de todas as conclusões e que, mais uma vez, representa um choque cultural para a maioria dos brasileiros na Terra de Marlboro, “business is always the most important thing”. E como tal, quando se trata de ferir os interesses econômicos, as coisas mudam rapidamente de figura.
Não há a menor dúvida que, se o momento econômico não fosse complicado como está sendo, e os brasileiros não fossem responsáveis pela ocupação e pagamentos dos aluguéis da maioria dos apartamentos do referido condomínio, certamente a “sensibilidade” dos proprietários à “causa” dos brasileiros poderia ser muito menor.
Talvez o gerente recebesse apenas um leve “puxão de orelha”, ou nem isso.
Normal. Essa é a regra do jogo e quem está aqui, optou por viver aqui, temporária ou definitivamente, deve encarar isso de frente e satisfeito. Uma das mais efetivas maneiras de fazer valer seu espaço e direito na sociedade norte-americana é através do poder econômico.
Aí, mais uma vez, a união e a representatividade se tornam imperativos para que nos tornemos uma comunidade menos tímida e acuada.
