Diante da TV, numa dessas primeiras noites de 2008, paro para acompanhar o noticiário de uma das grandes redes norte-americanas. É o telejornal das 7, prime-time, um dos espaços mais nobres e caros da TV.
Edição Especial. Vinhetas escandalosas, alta tecnologia, design pós-moderno e pós-industrial. Um show de sedução eletrônica.
Até aí novidade nenhuma. Além de terem inventado a televisão, os americanos sabem como ninguém fazer o uso dessa fantástica tecnologia. Aí chega a hora do conteúdo. A pauta do dia é: “As 10 Notícias Mais Importantes de 2007”.
A apresentadora, como quase todos os âncoras da TV, cada vez mais apresentadores de circo e cada vez menos jornalistas, se empe-
nham em enfatizar as frases sensaciona-listas.
Vamos lá. Vamos então conferir o que a equipe de jornalistas de uma das maiores redes de TV do mundo selecionou como “As 10 Notícias Mais Importantes de 2007”.
Começa a “escalada” e, não sem susto, percebo que os assuntos colocados em nono e décimo lugares (teoricamente os menos importantes da lista de 10) foram a Guerra do Iraque e o desmoronamento de uma freeway que matou centenas de pessoas e revelou falhas graves nas contruções rodoviárias norte-americanas.
Comecei a imaginar: “Ué, se eles colocam a Guerra do Iraque como a nono assunto mais importante do ano, imagino qual serão os primeiros”.
Não demorou muito e, após uma vinheta mais elaborada do que as outras fomos “passeando” pelas demais notícias do ano. Em oitavo lugar, comecei a ter calafrios:
“A prisão de Paris Hilton”.
Não tenho a menor dúvida que a prisão da “barbie dos tablóides” realmente gerou milhões de acessos à Internet e ocupou todos os espaços possíveis na mídia.
Não discuto que a palhaçada envolvendo esse ícone do vazio em nossa sociedade do culto à aparência e à ignorância bem remunerada, realmente merece estar entre os assuntos “Top Ten” mais badalados.
Mas, se não me falha a memória, a tal repórter-âncora-apresentadora de circo fez questão de dizer na abertura do show que aqueles eram os assuntos “mais importantes” refletidos pela mídia em 2007.
Gosto de ser tolerante. Esqueci Paris Hilton e me preparei para a sexta colocação.
Veio um alento: a oficialização das candidaturas de Hillary Clinton (uma mulher) e Barak Obama, um negro), como postulantes à Casa Branca. Poucos assuntos foram tão importantes e seguem sendo relevantes.
Acreditem os senhores que abaixo da Guerra do Iraque e do desabamento da Freeway, também abaixo das candidaturas de Hillary e Obama, sabem quem foi considerado “mais importante”? Será que alguém adivinharia? Quinto lugar: a final do “American Idol Season 2007”.
Nem vou comentar. Um show marcado pela crueldade e pelo desrespeito humano. Mas está muito longe sequer de ser um “fato jornalístico relevante”. O pior, entretanto, estava por vir.
Nas colocações de quarto e terceiro lugares, vieram ocorrências de policiais de Broward e Miami-Dade que morreram em enfrentamentos com bandidos.
Certamente a morte de policiais no cumprimento de seu heróico dever, é algo lamentável. Mas me pergunto se as vidas dos 1.200 americanos que morreram no Iraque (cumprindo as ordens que recebem) seriam menos importantes do que a dos 3 oficiais floridianos.
Em segundo lugar, nossos incríveis “jornalis-
tas da TV americana” colocaram a contratação do astro do futebol inglês, David Backham, pelo time Los Angeles Galaxy. Sem comentários.
Para afundar de vez o navio e me motivar a escrever esse bizarro editorial, o número 1, o “assunto do ano” na escolha dos jornalistas da TV americana: “Tchan, tchan, tchan, tchan!!!!!” A morte de Anna Nicole Smith.
Não senhores, não foi nenhum erro de digitação. Acima da guerra, da fome, do aquecimento global (que nem foi citado entre os 10) , o que os “brilhantes” jornalistas elegeram como o “assunto top” de 2008 foi a morte de uma celebridade. E uma cele-bridade que é a cara mais bem definida dos tempos de vazio em que vivemos.
O exercício do bom senso deixou de existir. O culto ao superficial e à aparência, ao escândalo em detrimento da relevância, parece estar se instalando solidamente como único parâmetro para uma sociedade cada vez mais mecanizada, cada vez menos culta, cada vez mais manipulada pela gratificação instantânea.
Apesar disso, tenho o consolo de escrever num veículo que preza pelo bom senso e compromisso jornalístico. FELIZ ANO-NOVO!

