O Brasil e a sucessão das “tragédias anunciadas”

Por Arlaine Castro

“A impunidade é o que rege, o que comanda a orquestra das tragédias nacionais”, disse o jornalista Ricardo Boechat ao se referir ao rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, e à morte de adolescentes no Ninho do Urubu, o centro de treinamento do Flamengo no Rio. Mal sabia o jornalista que somente algumas horas depois ele também seria vítima fatal de uma tragédia. Embora diferente pela causa em si, o acidente com o helicóptero em que ele estava, na segunda-feira, 11, não deixa de ter sido uma tragédia. A diferença com o rompimento da barragem em Brumadinho, com o deslizamento de morros com casas e enchentes no Rio e o incêndio no Centro de Treinamento do Flamengo é que essas podem ser consideradas tragédias anunciadas, ou seja, alguém sabia que cedo ou tarde ia acontecer. Era questão de tempo. Engenheiros e direção da Vale sabiam desde 2017 sobre o risco de rompimento da barragem 1 da Mina do Córrego do Feijão, e mesmo assim nada foi feito para evitar. Conforme citado na matéria “Documentos indicam que Vale sabia das chances de rompimento da barragem de Brumadinho desde 2017”, publicada pelo G1, documento interno da Vale de novembro de 2017 afirmava que a barragem, já naquela época, tinha uma chance de colapso duas vezes maior que o nível máximo de risco individual tolerável. Mesmo assim, executivos disseram que os relatórios não indicavam o risco iminente e a barragem estava “estável”. Estável para uma tragédia que matou centenas de pessoas, inclusive funcionários e moradores da região. Pelo menos 165 corpos já haviam sido resgatados da lama até a segunda-feira, 11. Destes, 160 foram identificados. O número de desaparecidos é de 155 pessoas, segundo a Defesa Civil de Minas Gerais. Por isso, naquela manhã da sua morte, ao falar sobre as tragédias anunciadas no Brasil e a falta de punição dos responsáveis, Boechat deixou para nós o seu recado: “a sociedade brasileira segue uma ‘velha tradição de tocar adiante’. É preciso que as consequências sejam mais rápidas, no campo da ação policial, do Ministério Público, para que não fiquem no oba-oba”, afirmou em seu último comentário na Rádio BandNews FM, onde trabalhava. O incêndio atingiu o alojamento dos atletas da divisão de base do futebol do clube, que ficava em uma área de estacionamento do centro de treinamento. Dez garotos morreram e outros três ficaram feridos. Após a “tragédia”, descobriu-se que dois projetos enviados pelo Clube de Regatas do Flamengo à Prefeitura do Rio – um em 2010 e o outro em 2018 – não previam o módulo de contêineres que pegou fogo e onde dormiam os meninos. É muito difícil lidar com tragédias e sofre muito mais quem está perto. As famílias das vítimas das barragens (lembrando aqui outras que também já ocorreram) e dos garotos do Flamengo foram marcadas para o resto da vida. E levarão a marca da negligência, da impunidade até o fim dos seus dias. Na verdade, por trás das tragédias anunciadas está a negligência daqueles que sabem que algo não está certo e deveria ser corrigido, no entanto, por certas razões, o errado continua até que realmente aconteça o pior. Como já aconteceu em 42 dias de 2019. O ano está só começando.