O Brasil e o planeta Corrupção - Editorial

Por Carlos Borges

Durante muitas décadas, nós brasileiros, especialmente aqueles que se ocupam em pensar no país, seu destino, sua história, vocação e mazelas, nos condicionamos a uma ideia que estava (e para muitos, segue se mantendo) “cristalizada” como definição de uma de nossas maiores “diferenças” em relação aos países, digamos, “mais evoluídos”.

A ideia que sempre nos pareceu óbvia, irrefutável, era de que nossa nação estava irremediavelmente condenada pelo vírus da corrupção. Uma corrupção que se espalha ao mesmo tempo, horizontal e verticalmente em todas as estruturas da sociedade brasileira.

A corrupção da “propina implícita” em quase todas as transações, em todas as esferas.

A rotina do suborno, extorção, malversação, e todas essas palavras mais “sofisticadas” que servem para definir algo mais simples e direto: desonestidade, roubo, crime.

Corrupção que sempre existiu, desde que Cabral “seduziu” índias e índios brasileiros com miçangas, espelhinhos, balangandãs e “sei-mais-lá-o-que”. Corrupção que foi colonial, imperial, republicana, ditatorial, nova-republicana e que, mais vigorosa do que nunca, segue sendo como uma nódoa sem remédio em um país que quer ser grande, quer ser potência, tem tudo para ser, mas parece inepto para combater a tragédia da corrupção nacional.

Com o tempo, acesso rápido e sem censura às informações, o brasileiro ficou sabendo que não fomos nós que inventamos a corrupção e muito menos que ela teria sido trazida para nós pelos colonizadores europeus.

Sim, a corrupção está no DNA do ser humano, da mesma forma que o ímpeto sexual faz parte do template. Há milênios os seres humanos vêm perseguindo uma ideia de evolução e civilidade, seja domando seus instintos animais e perversos, seja estabelecendo uma ordem de valores e relações sociais baseadas em verdade, justiça e honestidade. Portanto, reconhecer que a corrupção é intrínseca ao ser humano, não significa que devemos aceitá-la, praticá-la e muito menos defendê-la.

Pois bem. É com um hipócrita e revoltante “ar de alívio” que autoridades, lideranças e empreendedores vão aos microfones das TVs, justificar cinicamente o quadro lamentável em que se encontra a sociedade brasileira, “coalhada” dos mais absurdos exemplos de improbidade administrativa, roubalheira do alto a baixo e uma crescente – e perigosa – sensação de que a “regra do jogo” é mesmo esta: estando em qualquer estância de poder, trate de defender o seu e se beneficiar ao máximo.

Traduzindo de forma simples: a “Lei do Gérson” – pobre coitado do tricampeão mundial que sofreu a “tragédia histórica” de “batizar” a lei do “levar vantagem em tudo”.

Para quem não sabe, Gérson, o “canhotinha de ouro”, um dos craques da fantástica seleção brasileira tricampeã mundial em 1970, estrelou um comercial de TV dos cigarros “Vila Rica”, nos anos 80, onde finalizava com a frase que se tornou infame: “eu fumo Vila Rica porque gosto de levar vantagem em tudo, certo?”

Erradíssimo! Virou piada, por muito tempo, porque a sociedade brasileira de então era muito menos permeável a uma ideia de que esse “mote” se incorporasse aos valores do dia a dia do nosso povo.

Com o tempo, já batizada de “Lei do Gérson”, virou tese de mestrados, argumento de cinema e se tornou uma referência clara ao espírito de se beneficiar em todas as situações, a qualquer preço, sem nenhum pudor e sem nenhum respeito pelos demais. Está aí uma lei que “pegou” no Brasil: a “Lei do Gérson”.

O Brasil de 2011 é um país radicalmente diferente do país dos anos 70 e 80.

Deixando de lado as mazelas que seguem desconstruindo nossa fantasia de potência mundial – e todo mundo sabe que nossa infraestrutura, nossos índices de desenvolvimento humano e uma série de outros indicadores, nos colocam ainda fortemente ancorados no terceiro mundo – podemos perceber que o mundo olha o Brasil pós -Fernando Henrique-Lula e em sequência com Dilma, como um emergente de primeira linha.

Ainda emergente, mas com potencial para se tornar quinta economia mundial, sentando às mesas de discussões internacionais com o mesmo peso que Rússia, Inglaterra e Alemanha, superando França e Itália e só menor que Estados Unidos e China, por razões militarmente óbvias.

Só que, para entrarmos “de verdade” nesse clube e nesse estágio, um dos maiores inimigos que temos é justamente a corrupção, aqui representada por esta identidade nacional que se tornou a “Lei do Gérson”.

Na raiz do alto índice da corrupção no país estão uma estrutura governamental mastodôntica e viciada, uma economia que se diz capitalista mas que ainda se atrela muito menos às regras do mercado do que às mazelas dos bastidores políticos, a expectativa - por parte da grande maioria da população deseducada – pelo paternalismo de Estado, etc, etc, etc.

Amamos nosso jeito de ser em muitos aspectos. Nos orgulhamos do país que fazemos em inúmeras áreas de atuação. Mas o Brasil de agora e de amanhã é um Brasil que deve olhar para o próprio organismo e ter coragem, através de lideranças, atos e exemplos (como a presidenta Dilma tem feito, para surpresa de uns e desespero de outros), de combater e reduzir a corrupção aos níveis toleráveis que se pratica nos Estados Unidos, Japão e Europa.

No planeta “Corrupção”, temos que deixar de ser o “refúgio de bandidos”, como fomos caracterizados por Hollywood. Temos que dizimar a ideia de sermos um “exportador de operários e operárias do sexo” e temos, internamente, que conscientizar cada brasileiro de seus direitos e deveres, de que a via aparentemente fácil e desburocratrizada das propinas e privilégios, só fortalece os bandidos, só alimenta uma cadeia degenerativa do futuro que o mundo inteiro agora tem certeza de que podemos alcançar.