O caipira nosso de cada dia

Por Rodrigo Maia

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Você, brasileiro que mora em diversas regiões dos EUA, ainda se lembra de como um “caipira” fala? Estou me referindo, por exemplo, àquele famoso “porrrrta”. Em terras norte-americanas, os falantes de inglês também possuem formas “caipiras” de falar.

No Brasil, infelizmente, ainda vejo muitas pessoas criticarem o jeito caipira de usar o idioma. Essa forma de se comunicar acaba estereotipada como “errada”. E quem usa essa harmonia gostosa de falar sofre inúmeros preconceitos. E, por essa razão, o grande compositor Renato Teixeira escreveu uma música que representa uma luta contra o modo “urbano” de classificar o que vem do interior:

“Qui m´importa, qui m´importa. O seu preconceito qui m´importa. Se você quer maiores aventuras, vá pra cidade grande qualquer dia. Eu sou da terra e não creio em magia. É só o jeito de um rapaz caipira.”

Mas será que esse famoso sotaque caipira nasceu no interior mesmo?

Você sabia que aquele “R” que o caipira fala no final da sílaba, como no caso de “porrrrrrrta”, veio da cidade grande?

De acordo com uma pesquisa realizada pelo professor da USP, Manoel Mourivaldo Almeida, o que a gente conhece como sotaque caipira é o resultado da expansão territorial ocorrida nos séculos 16 e 17 por todo país; e não apenas em São Paulo.

O professor afirma que o sotaque caipira surgiu da cultura de miscigenação colonial em núcleos familiares paulistas, compostos por portugueses e índios de diferentes etnias, e está em formação desde esses primeiros contatos ocorridos na extensa região do então planalto de Piratininga.

Os indígenas, principalmente os falantes de Tupi, acompanhavam as bandeiras. A hipótese da interpretação indígena é compatível com a difusão feita pelos bandeirantes paulistas.

É esquecido o percurso histórico da origem e a formação do que hoje é o estado, a capital e o interior. Enxerga-se a região da capital e do interior apenas como é hoje. Por isso, esse equívoco aparece. O “R” de “porrrrta” pode, portanto, ser encontrado em diversas regiões do Brasil.

O mesmo equívoco ocorre com o que chamamos nas ciências da linguagem de rotacismo, ou seja, quando no lugar do L se pronuncia um R , como em “pranta”, no lugar de planta. Esse fenômeno também pode ser encontrado em muitas localidades brasileiras e está mais relacionado às variáveis e aspectos sociais, como a escolaridade do falante, do que a motivos meramente regionais.

Com isso, esses dois fenômenos citados no texto de hoje passam a ser considerados como características específicas do português popular brasileiro. Veja mais exemplos.

Vogais foram enfiadas pelo meio das consoantes para torná-las pronunciáveis, o ´mel´ virou ´mele´, a ´flor´ virou ´fulô´. Consoantes finais, como as do infinitivo, foram suprimidas. Em vez de ´falar´, os usuários dizem ´falá´. Os ´zóio´ do povo enfrentaram os olhos do rei, o ´vossa mercê´ dos mandões tornou-se o ´mecê´ dos mamelucos. E por aí vai...

Por mais que alguns puristas da língua considerem esse jeito caipira de falar como algo “errado”, a harmonia desse modo de se expressar sempre fez sucesso. Isso explica a familiaridade de personagens tão estilizados como os famosos Jeca Tatu e Chico Bento. Os famosos cantores sertanejos Chitãozinho e Xororó interpretaram a música Caipira, de Joel Marques e Maracaí, e deixaram seu recado:

Vivo com a poeira da enxada // Entranhada no nariz // Trago a roça bem plantada // Pra servir o meu país // Sou, sou desse jeito e não mudo // Na roça nós tem de tudo // e a vida não é mentira // Sou, sou livre feito um regato // Eu sou um bicho do mato // Me orgulho de ser caipira.