O monstro insidioso e traiçoeiro do alcoolismo

Por Adriana Tanese Nogueira

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Alcoolismo não é simplesmente a dependência de uma substância que leva a pessoa a precisar – que ela chama de “querer” – beber muito e constantemente. Alcoolismo é uma problemática humana de caráter holístico. O ser inteiro da pessoa está doente, ou melhor, apresenta em grau elevadíssimo uma doença espalhada em graus diferentes em nossa sociedade. Em primeiro lugar, o alcoólico, conforme Jack Trimpey, autor de “The Rational Recovery” afirma é governado pela busca incessante de prazer. Parece-me espelho de nossa sociedade. Infelizmente para ele, porém, o prazer está focado numa substância que, junto ao prazer, traz tamanhos desequilíbrios psicológicos, emocionais, relacionais e físicos que, para serem tolerados, requererem mais e mais álcool, num ciclo incessante e fatal de autodestruição. Trimpey visualiza essa realidade interior do alcoólico naquilo que ele chama “The Beast”, a besta ou o monstro, que, diferentemente da Fera de “A Bela e a Fera”, não tem salvação. O monstro precisa ser totalmente subjugado. Mas como, se quem governa a vida do alcoólico é justamente esse monstro? Segundo Trimpey, e segundo minha experiência clínica, existe junto ao monstro uma outra voz interior no alcoólico que busca saúde e que se dá perfeitamente conta do estrago que o alcoolismo provoca. Mas esta voz é fraca e a consciência do alcoólico não consegue ouvi-la ou se manter antenado nela. O monstro é forte demais. E como funciona esse monstro? Em primeiro lugar, na necessidade física de beber e por inúmeras razões: ora porque está feliz e “precisa” festejar, ora porque está deprimido e “precisa” se anestesiar, ora porque está entediado e “precisa” se distrair, ora enfim porque se está estressado e “precisa” relaxar. Em segundo lugar, o monstro do alcoolismo se manifesta nos ataques violentos, nas reações exageradas e nas explosões a partir de detalhes que uma pessoa sã não consideraria dignos de tamanha ênfase, Em terceiro lugar, o pior talvez, o monstro do alcoolismo altera a forma do alcoólico enxergar sua realidade e de se entender. As interpretações de fatos, sentimentos e situações são distorcidas num nível tão sutil e pérfido que é muito difícil de reconhecer. É aqui que o monstro do alcoolismo mostra toda sua insidiosa e traiçoeira natureza. O alcoólico é mestre em transformar você em problema e se safar de qualquer responsabilidade. Ele tem uma enorme dificuldade em reconhecer seus erros, mesmo os pequenos. Mas como na vida estamos sujeitos a errar e nos desentender frequentemente e crescer depende de aprender conforme se vive, o alcoólico está preso a uma realidade estática que não pode ser questionado e, portanto, não pode evoluir. Na relação de casal, que é a mais problemática entre pessoas normais, imagem com um alcoólico, há inúmeras circunstâncias nas quais é preciso se rever e se entender com o outro. Mas o alcoólico não quer se enxergar e muito menos se rever. Viver com ele é como caminhar em terra minada. Qualquer que seja a situação, o alcoólico constrói um raciocínio perverso que tem como objetivo fazer de você a pessoa errada. A dinâmica traiçoeira segue regularmente os critérios de: 1. Ocultar a responsabilidade do alcoólico em qualquer circunstância, mesmo que esta seria algo relativamente fácil de resolver. 2. Desviar o alvo da crítica de si para o outro da relação, geralmente, aliás, inevitavelmente, a esposa/o e, em segundo lugar, os filhos. 3. Manipular fatos, verdades, pensamentos e sentimentos de forma a enredar o outro ao ponto de fazê-lo duvidar de sua própria sanidade mental e verdade. O nível de perfídia e enganação do qual o alcoólico é capaz está diretamente relacionado ao seu nível de inteligência. Quanto mais inteligente mais insidioso e traiçoeiro ele sabe ser – e ele será.