O ?Oscar? reflete mudança em Hollywood e sinaliza em favor da causa dos imigrantes

Por Gazeta Admininstrator

Muita gente que aguarda anualmente a cerimônia de entrega dos “Oscars”, a famosa estatueta dourada que povoa os sonhos de astros e estrelas do cinema em todo o mundo, não deve ter gostado da festa do último domingo, que celebrou a 78ª edição da mais importante e glamourosa festa do cinema.

E não gostou porque? Imagino que a razão mais clara seja que, pela primeira vez em décadas a Academia de Artes e Ciências abriu mão completamente do apelo popular, não fez concessões ao comercialismo e fez uma clara opção pela seriedade e compromisso social em quase todas as suas premiações.

Para completar a “surpresa”, o filme mais badalado do ano, “Brokeback Mountain”, que vinha como favorito absoluto para levar a estatueta princial, de “Melhor Filme do Ano”, apesar de levar 2 premiações, perdeu a mais importante para o surpreendente filme “Crash”. Não que “Brokeback Mountain” não merecesse a estatueta. Mas os votantes da Academia parecem ter ficado satisfeitos com o fato de que o romance gay entre dois cowboys americanos já tivesse sido consagrado em dezenas de festivais e premiações pelo mundo.

Em vez de colocar mais uma cereja no topo do sorvete do diretor Ang Lee (ele ganhou o “Oscar” de Melhor Diretor por “Brokeback Mountain”) a Academia preferiu celebrar “Crash”, um filme fortíssimo e que expõe de forma crua e sensível a dramática situação de racismo e intolerância na sociedade norte-americana. Se em “Brokeback Mountain”, a história de amor entre dois homens serve para confrontar a homofobia e o mito do machismo, em “Crash”, a luta incorpora esses valores e muito mais.

“Crash” fala de todos os preconceitos, da rejeição e violência contra os imigrantes, do aparentemente imutável conflito entre brancos e negros. Da angústia, perplexidade e cinismo que caracterizam o atual momento da sociedade norte-americana, ou para ser mais exato, desse confuso e mutante “melting pot” que se define como América.

Quem ficou “chateado” pela não premiação de “Brokeback Mountain” (certamente o filme, pela atenção que despertou e pela coragem de abordar esse tema, já entrou para a história do cinema, da mesma forma que “Philadelphia”) pode pensar duas vezes e ver que “Crash” serve ao mesmo propósito, só que de uma forma mais ampla, mais próxima da realidade de cada pessoa que vive nos Estados Unidos, “gays” e “straights”, brancos, negros e latinos, cidadãos americanos e imigrantes legais ou ilegais.

Foi o mais “político” dos shows do “Oscar” em anos. Eu pessoalmente acompanho as premiações há pelos menos 30 anos e não me lembro de uma única vez em que o “Oscar” não teve seus momentos breguérrimos. Desta vez, não houve absolutamente nada nessa área.

Também pela primeira vez em anos não houve unafismo militarista, com transmissões ao vivo de tropas em guerra e coisas do gênero. Os soldados americanos que estão pondo em risco suas vidas merecem toda a consideração e respeito. Mas é que tais “menções” sempre eram feitas num tom político, militarista e ufanista. Muito mais “usando” a imagem dos soldados, a saudade e a distância de casa, do que propriamente celebrando sua coragem e fé da Democracia.

No humor, o “Oscar 2006” deu show de sofisticação e se libertou do falso clima de “sobriedade” que sempre soou ridículo e inadequado. Para isso colaborou enormemente a apresentação de Jon Stewart, talvez o mais admirado comediante/apresentador da TV norte-americana na atualidade. Inteligente, sem deixar de ser irreverente o tempo todo, Jon mostrou, ao ser ovacionado na entrada em cena, que desfruta de grande prestígio na “nova Hollywood”, onde consciência social e temas sérios pesam cada vez mais.

É só analisar os cinco filmes que, juntos, somaram mais de 40 indicações aos principais prêmios de 2006:
“Brokeback Mountain” – Um tórrido e trágico romance gay entre dois cowboys pastores de ovelhas no cenário de Montana, um dos mais conservadores estados do país.

“Crash”- Violência e tensão gerada nos conflitos raciais, étnicos e sociais na grande Los Angeles, onde americanos, imigrantes e negros vivem em constante estado de alta tensão e ódio.

“Good Night and Good Luck” – A história do jornalista e âncora de TV, Edward R. Murrow, que nos anos 50 foi praticamente a única voz em favor da democracia e dos direitos humanos no tempo da repressão anti-comunista do macartismo.

“Transamerica” – A jornada de um transsexual rumo à mesa de operação para mudança de sexo e nesse meio-tempo, lidando com a relação com seu único filho.

“Capote” – Um dos mais brilhantes jornalistas e escritores dos anos 60 nos Estados Unidos, Trumanm Capote, gay assumido, em sua obstinada busca pela verdade que gerou o best-seller “In Cold Blood” – “A sangue Frio”. Um clássico.

Desta vez não houveram fadas, gladiadores, mocinhas, sonhos e fantasias escapistas que geram bilhões de dólares mas que não fazem ninguém pensar.

Dizem que cinema é diversão, e na verdade, sempre foi e sempre será. Mas parece ficar cada vez mais claro para o quase sempre alienado e alienante cinema norte-americano, que a diversidade dos públicos é tão crucial nos dias de hoje que não dá para eternamente glorificar apenas os filmes entulhados de efeitos especiais.

Evidentemente que tudo o que aconteceu na noite de domingo através da rede ABC para uma platéia em torno de 1.2 bilhões de espectadores (é o segundo evento isolado mais visto no mundo, perdendo apenas para a Final da Copa do Mundo) foi revigorante.

Hollywood não vai virar “papo cabeça” de vez. Que não se iludam os mais apressadinhos, mas certamente a atitude mudou. Há espaço para a inteligência e – graças a Deus – cada vez menos espaço para um tempo em que “Rocky, um lutador” ganhava prêmio de “Melhor Filme do Ano”.