O professor de português e a leitura crítica

Por AOTP

Por Valdenildo dos Santos*

Anuncia José Carlos P. Almeida Filho no portal da língua portuguesa que “Uma língua 1 (L1) serve para comunicação ampla desde a casa, passando pela rua até a escola e os meios culturais”1.

Do momento em que acordamos pela manhã (não importa a hora, há os que vão dormir tarde da noite, aqueles que dormem de dia) e vamos dormir à noite, somos manipulados ao fazer, num movimento dinâmico em que sujeito e objeto trocam de papéis actanciais.

É a necessidade fisiológica (objeto) que nos manipula a ir ao banheiro desaguar, a fome (objeto) que nos leva a comer na primeira refeição do dia, o café da manhã, a necessidade de sobrevivência (objeto) que nos leva ao trabalho, os sinais de trânsito (objeto) que nos conduzem pelas ruas, a busca constante de objetos de valores que nos leva aos valores dos mais diversos no dia a dia.

Algirdas Julien Greimas, na semiótica francesa, define a ideologia como “a busca permanente de valores.”2   Há, no interior da sociedade, formações ideológicas e formações discursivas (FIORIN, 2001, P. 33), oriundas dos aparelhos ideológicos. Esta ideologia aparece no interior da língua que ensinamos, seja ela qual for. Neste cenário, somos manipulados a fazermos coisas de forma automática sem refletir direito, em busca de objetos que, às vezes, jamais usaremos, porque os objetos passam, mas os valores ficam. E o professor de Português, onde é que se encaixa neste contexto?

É claro que Almeida Filho, e sabemos disso por conta da leitura de outros  textos seus, não tem essa visão reducionista do papel da língua portuguesa, posto que admite que é na língua “que se constitui a identidade pessoal, regional, étnica e cultural de uma pessoa”. Então, não podemos ignorar que essa língua traz em si uma ideologia que marca nossa posição no mundo, seja agindo localmente ou pensando globalmente.

Moita Lopes em seu artigo “Yes, nós temos banana ou Paraíba não é Chicago não – um estudo sobre a alienação e o ensino de inglês no Brasil” (19963) levanta duas questões: a) a atitude exageradamente positiva e de quase adoração pela cultura de língua inglesa e b) a existência de livros didáticos que já incorporam as regras de uso da língua, também chamada de regras da fala, que são parte do que se convencionou chamar de competência comunicativa ou as regras que vão possibilitar aos alunos funcionarem socialmente usando a língua inglesa de maneira correta (1996 P. 37-38).

Os livros didáticos, para o articulista, por conta do próprio desenvolvimento da linguística aplicada, contemplam essa tendência no fazer de alunos e professores brasileiros. Há, portanto, uma crítica sutil de Lopes dessa “glorificação de uma cultura estrangeira” e, por essa razão, propõe uma explicação do comportamento nada tupiniquim destes atores sociais.

Essa crítica pode ser vislumbrada ao longo do texto, mas inicia-se, na verdade, no título de seu artigo em que oferece a banana, símbolo fálico e, ao mesmo tempo, a representação da brasilidade, em troca desta veneração desnecessária, numa espécie de manipulação por provocação, que nos leva a pensar neste amor pelo grande outro, a alteridade que procura tolher ou sufocar a nossa própria identidade, afinal de contas, “a Paraíba não é Chicago não”.

Se entendermos a língua apenas como objeto mágico para a comunicação, mesmo que esta seja ampla, nos esqueceremos fatalmente do que existe por traz das cortinas, das possibilidades de a compreendermos como detentora de uma ideologia que fatalmente vai se apresentar em nossos discursos diários e revelar a nossa identidade num jogo semântico entre dominante e dominado, num mundo de liberdade ou opressão. Então, qual a função da língua e do professor de Português, caros amigos?


* Professor Adjunto III, Letras. Graduação e Mestrado. UFMS, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul 1 Portal http://www.museudalinguaportuguesa.org.br/files/mlp/texto_4.pdf visitado em 30 de Janeiro de 2016. 2 Dicionário de Semiótica, 2012. 3 Em “Oficina de linguística Aplicada: a natureza social e educacional dos processos de ensino e aprendizagem de línguas”.