O uso de material autêntico

Por AOTP

Por Dayse Farias Fonseca*

Costumo refletir muito sobre a dificuldade que muitos de nós, professores de português LE em contexto de imersão, precisamos encarar para trabalharmos com materiais autênticos em sala de aula. Teoricamente, o material autêntico se resume em documentos escritos ou orais, que permitem o contato com a língua e a cultura, com temas variados e diferentes níveis de língua. Ajudam a expandir o vocabulário e revisam a aprendizagem de estruturas gramaticais. Podem servir como exemplos, as tecnologias da informação e comunicação (TICs), as redes sociais na sua mais diversa gama, os jornais, as revistas, as emissões de rádio e TV, produções gravadas, filmes e catálogos.

No entanto, quando vejo a riqueza de oportunidades que nosso trabalho permite, entendo que, vez por outra, nem mesmo precisamos quebrar a cabeça para apresentar um material didático pronto, “tido” como autêntico, por exemplo. É verdade. Tudo o que acontece com nossos alunos é tão vivo, tão contagiante e real que, sem sombra de dúvida, podemos trabalhar todas as suas necessidades, simplesmente usando como material, seus próprios “dilemas”, ou seja, suas curiosidades, dúvidas, estranhamentos, questionamentos sobre a língua portuguesa e cultura brasileira, enfim, sua história real, seu aqui e agora. Quer dizer, o material didático pode emergir, naturalmente, do aluno. O contexto de imersão em que nos encontramos favorece ainda mais, quando comparados com contextos de português como língua de herança ou como língua estrangeira, pois aqui estamos todos, alunos e professores mergulhados na cultura, esta, riquíssima e inesgotável.

A propósito, devo dizer que fiquei tão empolgada com a notícia de que uma das minhas alunas, uma espanhola, mas francófona, irá desfilar no próximo carnaval pela escola de samba Vai-Vai, campeã do carnaval de São Paulo do ano passado. A Vai-Vai elegeu em maio deste ano, o tema: “Je Suis Vai-Vai, Bem-Vindos à França”, para representar seu enredo.

No momento em que soube da novidade, visualizei a oportunidade de fazer desse evento uma abertura para trabalharmos todas as suas necessidades linguísticas e, é claro, trabalharmos a cultura do Brasil de forma natural, não imposta, como muitas vezes acontece. Temas tão ricos podem se estender por várias aulas. No nosso caso, trabalhamos primeiro a letra do samba enredo, já com o áudio, as expressões idiomáticas e as razões para usarem certas referências que, para quem não conhece a história da invasão do Brasil pelos franceses, significa um verdadeiro tesouro, o que foi o caso. Portanto, passeamos um pouco e com prazer pela história do Brasil. Também, o fato da fantasia escolhida por minha aluna ser de um índio Tupinambá, uma ala inteira será dedicada à tribo, permitiu que voltássemos à colonização do país, levantando os prós e contras da invasão europeia. Tudo isso contextualizado e ligado com suas necessidades de uso da gramática, de uma forma natural.

A música do samba enredo ajuda a empolgar, a dar motivação para a pesquisa, porque nesse caso, minha aluna deve, além de trabalhar em aula, também elaborar uma investigação sobre o tema. Deve trazer as novidades que surgem dos ensaios da escola de samba e discutir sobre o que nota de diferente entre as três culturas: a espanhola, a francesa e a brasileira, nesse quesito das manifestações culturais e tudo isso funciona como tarefa. Uma tarefa que possui a função de desenvolver, através da troca de ideias e conhecimento, um ensino-aprendizagem eficiente e prazeroso. Sabe-se que chances como essa não acontecem a toda hora, mas se há de convir que todos os dias, muitos fatos empolgantes e interessantes acontecem na vida de nossos alunos e tudo pode ser transformado em material didático.


*Dayse Farias Fonseca é licenciada em Português - Inglês e Mestra em Linguística Aplicada. Leciona português como língua estrangeira desde a década de 70 e ministra cursos de capacitação para professores de PLE.