O vírus da alegria

Por Gazeta Admininstrator

Não existe festa mais brasileira, mais controversa do que o Carnaval.

É indiscutível que o carnaval está no DNA do brasileiro.

Seja para amar e se esbaldar, como é para a grande maioria da população do nosso país.

Seja para admirar, como de fato é por milhões de turistas no mundo inteiro.

Seja para rejeitar e considerar um elemento típico do que seria nosso “atraso cultural”.

Mesmo que não me considere mais um carnavalesco baiano típico, como fui durante as 3 primeiras décadas de minha vida não há como negar que o Carnaval em sí está muito acima dos julgamentos de quem se esbalda, admira ou simplesmente deplora.

O Carnaval brasileiro e o futebol, são as duas maiores expressões culturais ao mesmo tempo unificadas, ativas e históricas do povo brasileiro.

Porque tradições, temos muitas. Mas nenhuma como o Carnaval e o Futebol conseguiram imprimir, internacionalmente, uma imagem profunda e inconfundível do Brasil-Alegria.

Isso mesmo. Há quem não goste, mas a alegria é uma marca registrada do Brasil, ainda que em “nome da alegria” se faça muita patifaria em nosso apís, não vamos agora advogar a condenação da alegria como “remédio contra a patifaria”.

O Carnaval e o Futebol são alegriaslegítimas. Brasileiras.

E estamos vivendo mais um “pós-carnaval”, que desde 1999 assistimos ao vivo e a cores pela TV e que nos possibilita uma “reimersão” nesse já surrado lema que diz ser nosso povo aquele que “não tem vergonha de ser feliz”.

Com licença do genial Gonzaguinha para me apropriar do verso por ele criado, é realmente uma verdade desafiadora de todas as demais “sombrias verdades”.

O brasileiro é feliz sem obrigação e sem ensaio, é feliz porque já nasce numa atmosfera onde o clímax de seu ano não é outro que não uma grande festa onde barreiras e limites sociais, raciais e culturais, quase que desaparecem. E isso é bom, é saudável.

O Carnaval é também uma fonte de esperança alimentada pela extraordinária capacidade do povo brasileiro em se organizar. O que é o carnaval de sambódromo se não um mega-sistema comunitário em que as coisas funcionam, a hierarquia prevalece, o
profissionalismo é premiado e o sentido de coletividade impera.

Assistindo aos desfiles das escolas de samba do Rio e São Paulo (os paulistas estão chegando lá!), muito além do luxo, bom gosto, criatividade e samba no pé, o que mais comove é ver que num Brasil sempre
tão enxovalhado por nós mesmos quanto a nossa “histórica e histérica paixão pela desorganização”, produzimos algo tão bem organizado e em proporções faraônicas.

Olha aí, gente! O Brasil tem capacidade de organização sim. Dá só uma olhada no que as escolas de samba colocam diante do mundo para que se exija mais respeito pela capacidade gerencial do povo brasileiro.

Não é discurso ufanista. Muito pelo contrário. Sempre me policio muito para não deixar que as emoções ligadas ao meu país e minha cultura, embotem o meu senso de correção e análise fria dos fatos. Mas o carnaval é extraordinário, é acima de qualquer lógica e de qualquer tentativa “fria” de dissecação.

Como entender que, em uma semana, a população de Salvador duplique, sem que isso gere uma avalanche de ocorrências policiais. Sim, as ocorrências existem. Gente morre, se fere, some...mas estatísticamente, a própria Interpol considera que, diante do tamanho dos eventos em Salvador e Recife,
o volume de fatalidades e ocorrências graves é “residual”.

Talvez seja porque até mesmo no pique da bebedeira, quando as cabeças se perdem e a distinção entre certo e errado não faz parte do cenário, baixam todos os santos e espíritos para minimizar a quase inevitável onda de violência. Talvez seja apenas esse imbatível “vírus da alegria” que, em vez de
nos envergonharmos ou negarmos, devemos mesmo é nos orgulhar de possuir em nossos corpos e almas.