Os dilemas dos brasileiros que retornam - Opinião

Por Carlos Borges

Um e-mail, longo e revelador, que nos foi enviado dias atrás, nos fez refletir intensamente sobre um dos fenômenos marcantes vividos atualmente dentro das comunidades brasileiras espalhadas pelo mundo.

Por conhecer o problema de muito perto e conviver intimamente com alegrias e tristezas de nosso povo nos quatro cantos do planeta, a carta de Maria Julia (o nome está aqui alterado em função de manter a privacidade da autora) me pareceu especialmente ilustrativa do que está acontecendo com centenas, milhares de brasileiros que, nos últimos anos, optaram por retornar ao Brasil.

Alternando trechos da carta e comentários, aí vai: “A saudade do Brasil sempre foi enorme. Ficar longe da família, especialmente de seus pais, já idosos, é um grande sacrifício. Portanto, a nossa decisão de voltar sempre esteve envolta nessa bruma de saudade e melancolia. Estou fazendo terapia agora porque o choque do reencontro com minha família foi demais. Nos primeiros dias houve alegria e muita festa e comilança. Mas com o passar do tempo, quando nossos irmãos, primos e amigos muito próximos perceberam que nós havíamos retornado ao Brasil sem recursos e até precisando de apoio para nos reinserirmos, todos foram se afastando e alguns até se tornaram hostis. Já ouvi deles frases terríveis como ‘se vocês estavam numa pior, porque não ficaram por lá mesmo?’”

A ilusão de que vai se reencontrar no retorno ao país, o mesmo “ambiente” que se imagina ter deixado para trás quando emigramos, é um dos grandes ‘fantasmas’ com que os repatriados se deparam. E não é porque as pessoas que deixamos, quando retornamos, teriam se tornado “interesseiras e frias”. Não é bem assim. A vida de cada pessoa muda a cada segundo do minuto. E quem volta sem ter seus próprios meios de reentrar na atmosfera de sobrevivência, por mais afeto que possa existir, acaba se tornando um ‘estorvo’ ou ficando tão ou mais isolado do que estaria aqui.

É evidente que nem sempre o retorno é marcado por essas constatações amargas. Mas via de regra esse ‘esfriamento progressivo’ de parentes e amigos que, na fantasia dos imigrantes que retornam estarão de braços abertos para reatar os velhos laços, é muito mais comum de acontecer do que o sonhado “reencontro cheio de amizade, carinho e solidariedade”. Esses sentimentos geralmente são unicamente restritos – e mesmo assim, nem sempre – aos pais.

“Sempre mandávamos dinheiro para nossos pais. Tanto para a mãe de meu marido quanto para meus pais. Nos causou choque quando, já no segundo dia que chegamos, com todos em volta da mesa numa feijoada como nos velhos tempos, surgiu na mesa uma ‘lamentação’ pelo fato de que, a partir de agora, ‘o dinheiro que vinha dos Estados Unidos, passaria a não vir mais’. Procurei entender o ponto de vista de meu irmão – autor da lamentação – mas acabei concluindo que ele estava falando não em nome de meus pais e sim dele mesmo, já que minha mãe repassava para ele – uma espécie de ‘desempregado por opção e preguiça’ – a maior parte do dinheiro que mandávamos. Ou seja, para ele, melhor que ficássemos longe, porque assim, sua ‘mamata’ estaria garantida sabe lá até quando...”

Sem entrar no mérito da indelicadeza, quase grossura, de seu irmão, a reação na mesa da feijoada é muito mais comum e natural do que se possa acreditar. Para centenas de milhares de famílias brasileiras que possuem parentes próximos enviando dinheiro do exterior, contínua e sistematicamente, a perda dessa ‘receita’ é um evento gravíssimo. A reação do irmão-mamata” é canalha e rude, sem a menor dúvida, mas serve de forma positiva para que os imigrantes tenham consciência de que o envio de dinheiro para ajudar os familiares é um “elo” poderoso e, muitas vezes, vital.

“Eu e meu marido seguimos desempregados. Acreditamos que com o currículo que temos e pelo fato de termos morado seis anos nos Estados Unidos, isso nos abriria portas mais fáceis no Brasil de agora. Noto que as pessoas mais pobres do Brasil tiveram uma melhoria de vida. Quase todo mundo tem carro e todos tem telefone. Muita gente de minha vizinhança – estamos morando com meus pais porque o preço dos aluguéis é o dobro ou o triplo daí de Miami – tem computador. Mas quando se trata de conseguir emprego, a situação para quem retorna do exterior é péssima. Só há espaço em empregos de baixíssima remuneração ou para profissionais altamente qualificados. Quem está ‘no meio’, como nós, não tem a menor chance. A situação está ficando desesperadora, porque o pouco dinheiro que tínhamos guardado para segurar a barra no primeiro mês, acabou muito mais rápido e agora, em vez de estarmos ajudando nossos pais, estamos é dividindo o pouco que eles tem”.

A questão da reinserção no mercado de trabalho é, estatisticamente, o maior e mais dramático desafio enfrentado por quem retorna. O fato de que a economia do Brasil está numa fase de enorme crescimento e estabilidade, não se traduz em pleno emprego para quem já vive no país, menos ainda para quem retorna tendo ficado de fora desse mercado por anos.

Quem retorna com algum dinheiro economizado na expectativa de “abrir um pequeno negócio”, se depara com o monumental custo-Brasil em todos os níveis que qualquer empreendedor possa imaginar. E se retorna depois de ter tido a experiência empreendedora nos Estados Unidos, onde abrir e operar um negócio é de enorme simplicidade, o choque é ainda maior. O governo brasileiro tem criado serviços de apoio para os repatriados, mas não tem como recolocar, “por decreto”, as pessoas no mercado de trabalho. Não seria justo para os milhões de brasileiros que, nunca deixaram o país e seguem batalhando por um emprego.

O que a imensa maioria dos imigrantes brasileiros não ‘realiza’ é que a decisão de deixar o país em busca de melhores condições de vida ou em busca de um sonho de realização pessoal, em outras partes do mundo, é uma escolha, uma opção feita que, teoricamente, deveria levar em consideração o fato de que ninguém mais está comprometido com as consequências, boas ou más, dessa escolha. O governo brasileiro que, até cerca de dez anos atrás, pouca ou nenhuma atenção dava aos brasileiros residentes no exterior, mudou substancialmente essa postura. Mas não há o menor sentido em se esperar que as autoridades do Brasil priorizem ou nem mesmo “equalizem” a prioridade dada ao brasileiro que vive fora do país com o brasileiro que sempre viveu em nosso território. Simplesmente isso nunca ocorrerá porque não faz nenhum sentido.

Tanto é crucial pensar antes de emigrar quanto é mais crucial ainda, pensar antes de retornar, para que duas decisões tão vitais na vida de uma pessoa ou uma família, não se tornem dois momentos de trágica desilusão.