Pensar as palavras no ensino de Português como Língua Estrangeira

Por AOTP

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Prof. Cassiano Butti*

É muito comum ouvirmos de professores que atuam na docência de português para estrangeiros relatos de situações curiosas, engraçadas e conflituosas pelas quais passam seus alunos. Certa vez, um suíço para quem eu ministrava aulas de conversação, comentou-me sobre uma de suas primeiras experiências de “brasilidade”: ele não entendia por que alguns clientes de um bar pediam insistentemente “chorinho” aos garçons, mas a música nunca começava. Só depois de alguns minutos é que ele se deu conta de que o tal “chorinho” era uma dose extra de uísque oferecida aos consumidores como cortesia da casa.

A situação retratada por esse aluno nos leva a refletir sobre o ensino de determinadas nuances da cultura brasileira, evidenciadas apenas por meio do léxico, isto é, das palavras que fazemos uso em nossas práticas sociais cotidianas. Não se trata, aqui, de fazer remissão à cultura dita “erudita”, aprendida e ensinada em situações formais, e sim àquela vivenciada no dia a dia e compartilhada entre os membros nativos da mesma comunidade linguística; contudo, “estranha” aos falantes de outras línguas. Nas palavras do pesquisador francês Robert Galisson, trata-se da cultura implícita, “manifestada no ou pelo léxico, que convém atualizar, explicitar e interpretar”.

Quem estuda línguas estrangeiras logo percebe que o domínio das palavras e de seus respectivos significados é fundamental para assegurar a eficácia da interação comunicativa. Mas nem sempre os dicionários trazem explicações ou pistas sobre determinados implícitos culturais, fundamentais para compreendermos como os conhecimentos de mundo são representados em língua. Assim, é fundamental que os professores estejam atentos para inventariar e explicar certos usos lexicais correntes em filmes, novelas, letras de músicas, cardápios de restaurantes e, principalmente, na fala cotidiana.

No caso do português brasileiro, vale destacar aqueles casos em que a palavra não significa o que parece indicar: um chope geladinho, por exemplo, deve ser interpretado como um chope bem gelado. Nesse caso, o sufixo -inho, no lugar de agregar supostamente o valor de diminutivo, assume uma função intensificadora. O mesmo se diz de outros usos do -inho, com valor de atenuação: minutinho, instantinho, rapidinho, gracinha, (ficar) mocinha.

Como é importante explicar para um estrangeiro que, ao ser convidado para “tomar um café”, o café talvez nem seja servido; afinal, “café” pode significar tomar um suco, comer um pão de queijo... ou simplesmente fazer uma pausa. Isso quando não usamos “cafezinho” para indicar “gorjeta”. E o que dizer da “coxinha com Catupiry”? Que recheio é esse? “Carne louca” é um corte de carne? O que passa na cabeça de nossos alunos quando dizemos que vamos comprar uma “quentinha”, fazer um “bolinho de chuva”? ou servir “romeu com julieta” na sobremesa? O que o caixa do banco quer dizer quando pergunta ao cliente se ele quer “levar algum”?

Por que a personagem da novela chorava quando dizia que perdeu a “sombrinha” e estragou a “chapinha”? O feirante estava assediando a mulher quando a chamava de “linda”, “bonita”? O que é “tirar a carta? E as siglas? O que os estrangeiros entendem quando lhes pedem o RG, CPF, CEP e que passem no RH para formalizar uma contratação? O que representam quando leem um anúncio em que a imobiliária declara aceitar o FGTS na compra do apartamento?

Essas são apenas algumas das ocorrências de formas lexicais que me foram apresentadas pelos próprios alunos. Não penso que seja necessário um ensino sistemáticos dessas formas, mas defendo que sejam planejados alguns momentos para uma reflexão sobre as palavras que ajudam a formar o repertório cultural do cotidiano.

*Professor do Departamento de Português da PUC-SP.