Peripécias da Dra. Semantika - Episódio de hoje: A Grávida

Por AOTP

Prof. Lucia Wenceslau*

O homem inventou as palavras, porém, os significados são todos dela, Dra. Semantika. Dizem que ela nasceu na Grécia, entretanto, disto ela não se lembra. Deve ser obra do tempo e da idade...

Ainda bem que ela é invisível, pois do contrário, se fosse de carne e osso já teria sido surrada pelas ruas ou queimada em praça pública. Mas, apesar das confusões que causa algumas vezes, nos diverte muito.

Foi num voo de conexão Brasil-EUA, no aeroporto em Santo Domingo, República Dominicana. A fila não andava e, apesar da generosidade dos funcionários, nada parecia aplacar aquele calor insuportável.

Uma jovem senhora brasileira também estava ali com os seus três filhos e ansiosamente aguardava sua vez. Dois deles estavam no chão brincando e o mais novo, que parecia ter por volta de um aninho, estava em seu colo, seus olhos grandes, azuis e brilhantes e aqueles cachos dourados denunciavam uma miscegenação bem brasileira das terras do sul: a familía era de Santa Catarina. E os “piás” estavam lhe arrebatando a paciência, sim, porque ao invés de três eram quatro contando com o marido. Os dois maiores pareciam ter entre seis e quatro anos, entretanto, era difícil saber, pois a posição que eles escolheram para estar a maior parte do tempo não nos permitia fazer uma boa avaliação da idade. Eles ousavam desafiar a lei da gravidade porque se revezavam plantando bananeira no chão do corredor da fila de embarque e, ao mesmo tempo, tomando sorvete. Ela talvez não soubesse de um ditado de suas avós que bem se encaixaria à cena: o fruto nunca cai longe da árvore, verdade ou não, o pai apesar de não plantar bananeira naquele momento, também tomava seu sorvete inquietamente, atormentando-lhe a paciência:

_ Você poderia ter arrumado este cabelo, sabia que íamos viajar e eu não gosto nada dessa forma embaraçada que ele está agora!

Uma funcionária da cia de aviação, dessas funcionárias solícitas, amáveis e que realmente foram vocacionadas para usar de empatia com o cliente, passava no corredor bem no momento da discussão do casal e fez uma cara de enorme compaixão – isso qualquer mulher educada faria – afinal, no meio de um embarque com três crianças saudáveis e peraltas, quem se importaria com um cabelo pra lá de embaraçado? Entretanto, ela foi muito ágil e saiu literalmente correndo até a sala de apoio da enfermaria a buscar algo. Voltou quase sem fôlego e acreditando estar fazendo sua boa ação do dia. Perguntou para a senhora com a criança no colo:

_ ¿ Señora, está embarazada?

_ O que disse? Desculpe-me, não entendi o que você falou, poderia repetir?

_ ¿ Esta embarazada?

_ Embaraçada, eu? Ah! Claro que sim! Com essa criançada toda e meu marido me torrando a paciência eu só poderia estar embaraçada mesmo! De todas as suas palavras, a única que a dominicana entendeu parece ter sido SIM. E lhe apontava cheia de satisfação a cadeira de rodas que havia trazido fazendo aceno para que ela se sentasse.

_ Para eu sentar? Muito obrigada pela sua gentileza, mas com toda essa bagunça se eu me sentar será pior ainda... Obrigada, mas eu ainda prefiro ficar de pé. A funcionária meio sem graça com tanto empenho que pensava haver demonstrado a uma gestante cansada de estar de pé se foi com a cadeira vazia. Alguém na fila não aguentou e disse à mãe das crianças:

_ Senhora, embarazada em espanhol quer dizer “grávida”.

_ Como assim? Grávida?

Seguiu-se uma grande gargalhada dela e de quem estava presenciando a cena, por fim ela disparou:

_ Sabe que eles têm razão? Pois às vezes, ter filhos se torna um grande embaraço mesmo...

Enfim, chegou a sua vez na fila e felizes seguiram para Orlando.

*Lucia Wenceslau  é professora Prof. de Português no SLI (Strategic Language Institute) da FIU (Florida International University)