Com persistência, brasileiros conseguem recuperar suas mudanças

Por Marisa Arruda Barbosa

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A longa saga de alguns que tiveram suas mudanças apreendidas pela Receita Federal, na chegada ao Brasil, chegou ou está chegando ao fim. Mas isso só se deu com muita paciência, gastos e viagens até os portos onde suas mudanças foram apreendidas.

Orlando Netto, de Goiânia, vivia em Boston por quatro anos e enviou toda a sua mudança pela BR Courier, no dia 11 de outubro de 2011, e somente no início de julho deste ano conseguiu a sentença de um juiz federal no Brasil, permitindo que retire seus pertences em Itajaí (SC). Mas isso lhe custou mais de R$ 10 mil, entre a contratação de advogados, gasto com envio e viagens.

A saga de Orlando até que foi curta, se comparada à de Maurício Galante, que enviou sua mudança de Connecticut, pela empresa Hora Certa, em setembro de 2009 e, depois de altos gastos e a mesma dor de cabeça, conseguiu recuperar sua mudança quatro anos mais tarde, no início de 2013.

Maurício e Orlando contrataram o advogado Thiago Coelho, que tem trabalhado em centenas de casos parecidos em portos por todo o Brasil. Segundo o advogado, ele tem 12 casos desse tipo concluídos com sucesso e 188 em andamento e sob sigilo. Caso de Orlando com a Br Courier A mudança de Orlando chegou ao Brasil em abril de 2012, mas a entrega nunca acontecia. Ele enviou vários e-mails para a BR Courier e quando recebia resposta, lhe pediam mais paciência. Finalmente, ele foi informado para enviar documentos necessários para um escritório de despachantes, chamado MR Despachos. “Depois de me enrolar por mais ou menos um mês, me falaram que um despachante chamado Jalnir iria cuidar do caso, mas me pediram mais e mais documentos a cada vez que ligava”, conta Orlando. “Só de correio eu gastei aproximadamente R$ 300”.

Finalmente, Orlando, que hoje vive em Goiânia, descobriu que o despachante não havia dado entrada em seu processo dentro do prazo estipulado pela Justiça. O goiano já havia gasto $4 mil dólares com o envio da mudança pela empresa. “Bem, depois disso, comecei uma peregrinação aqui em Goiânia tentando achar uma solução. Fui até às redes de TV, Ministério Público, etc. Até que uma pessoa do Ministério Público ligou para o chefe do porto em Itajaí, chamado Luís Gustavo, que disse para eu ir até lá”, conta Orlando. “Peguei um ônibus e viajei quase dois dias. Quando cheguei lá, o Luís Gustavo nem quis me receber. Um verdadeiro descaso, um absurdo. Só consegui falar com alguém porque conversei com uma pessoa que trabalha lá. Eu falei com uma pessoa responsável que disse para eu esquecer, pois o advogado é caro e ela nunca tinha visto alguém ganhar uma causa assim”.

Orlando ficou por cinco dias em Itajaí e gastou aproximadamente mil reais com a viagem, que foi aparentemente em vão. Ao voltar a Goiânia, ele entrou na internet e descobriu um grupo do Facebook, chamado “Enganados pela BR Courier”, onde conheceu o advogado Thiago Coelho, que resolveu contratar. Finalmente, no dia 28 de junho, o juiz Federal, Nelson Alves publicou a sentença da liberação de seus bens junto ao porto.

Mas, segundo Orlando, agora falta o que ele espera ser a última das batalhas dessa guerra. Seus pertences (que são nove caixas com artigos para casa e duas TVs grandes) estão armazenados em uma empresa terceirizada, que estaria cobrando pelo armazenamento. Quando conseguir resolver isso, Orlando planeja mais uma viagem a Itajaí, de ônibus, para buscar suas caixas.

“Eu já gastei mais de R$ 10 mil com toda essa história. É cada um por si e não tem quem nos ajude”, disse ele. “Mas têm coisas de uma vida nessas caixas e agora é uma questão de honra”.

Maurício: quatro longos anos

O paulistano Maurício Galante viveu em Connecticut com sua esposa por sete anos, até que resolveu voltar para o Brasil em dezembro de 2009. Ele contratou a empresa de mudança Hora Cerca Moving and Logistic para envio de toda a sua mudança “de porta a porta”, saindo de Danielson, em Connecticut, com destino a Vila Velha, no Espírito Santo, o que incluía, desde geladeira a sapatos e livros, com um valor total declarado de $3 mil dólares.

Mas, sua mudança não chegou ao destino dentro do tempo prometido, com um ‘vai e vem’ de e-mails, telefonemas e até  mesmo um pedido de mais dinheiro pela empresa, alegando problemas com a alfândega. Em junho de 2010, a empresa parou de atender telefonemas ou responder seus e-mails. Depois de sete meses de espera, Maurício começou a investigar a empresa nos Estados Unidos, até que descobriu que estava na cidade de Hollinston, em Massachusetts. Maurício compareceu ao local com a polícia local, em outubro de 2010, e conseguiu a documentação sobre a sua mudança. Ele descobriu que sua mudança estava retida no Porto de Santos, em São Paulo, como mercadoria abandonada, por ter extrapolado o tempo de 90 dias para o desembaraço de cargas, diz o depoimento feito por Maurício junto à Polícia Federal.

Quando Maurício entrou com a polícia no galpão da “Hora Certa”, lá estavam presentes os donos, Vidomar da Silva e Sanúbia da Silva, juntamente com Arnaldo Rodrigues Nascimento, proprietário da empresa Arnaldo’s Moving e da extinta Adonai, que tem mais de 100 contêineres abandonados no Porto de Santos. Tanto Vidomar como Arnaldo operavam no mesmo endereço, segundo Maurício. Ainda de acordo com o depoimento de Maurício, nesse momento, Vidomar denunciou que Arnaldo utilizava os contêineres  de mudança para traficar armas, motores de motocicletas e outros objetos de contrabando. As armas, segundo teria dito Vidomar, eram ocultadas dentro de aparelhos de micro-ondas e geladeiras, para não serem detectadas em aparelhos de raios-x.

Maurício informou ainda que viu, quando entrou com a polícia no galpão nos EUA, uma motocicleta desmontada, que seria supostamente colocada junto com as mudanças. Mesmo assim, a polícia não pode prender os proprietários, por ser uma infração cível e não havia evidências necessárias do delito.

Depois de quatro anos de luta, Maurício conseguiu recuperar a sua mudança. Segundo ele, quando chegou ao local no qual os itens ficam apreendidos no Porto de Santos, tudo havia sido retirado das caixas. “Eles separam por itens e me deram dois dias para identificar minhas coisas, sozinho. Por exemplo, as TVs ficam todas de um lado, os sapatos (milhares de pares) ficam de outro, eletrodomésticos, livros, diplomas. Tudo em mau estado de conservação. Consegui recuperar 75% dos meus pertences, mas o restante eu perdi. Gastei ao todo mais de R$ 8 mil, sem contar os telefonemas, a espera e o aborrecimento que passei. Não pude encontrar coisas de valor sentimental, como os diplomas de doutorado de minha esposa, livros com anotações, etc”. Falta de registro na Receita Federal O advogado Thiago Coelho explicou ao GAZETA que várias empresas de transporte internacional não estão cadastradas regularmente na Receita Federal da alfândega e não têm registro de pessoa jurídica no país em que prestam serviço. Para verificar a idoneidade da empresa, ele explica que “deve-se ir à Marinha Mercante do Brasil certificar o registro e se consta a empresa de mudança. Todos aqueles que desejam utilizar, devem sondar e investigar a respeito da empresa e ter todo o cuidado de não cair em golpes. Quando não há registro, quer dizer que a empresa é irregular e o risco é de quem contrata”.