Três meses depois da operação secreta que levou à prisão de 27
brasileiros em Massachusetts, foram revelados detalhes da ação que ainda é
sentida por muitas famílias de imigrantes.
- Se até as autoridades organizam armadilhas, agora a gente fica sem saber em quem confiar - disse a sobrinha de três irmãos presos enquanto tentavam comprar documentos que lhe dariam o direito de permanecer nos Estados Unidos.
Mas quem oferecia os documentos era um agente federal disfarçado de advogado corrupto. Segundo relatórios oficiais adquiridos para O GLOBO ONLINE, o agente Gus da Cunha se apresentava como 'o português' e cobrava pagamento inicial de US$ 4 mil pelo cartão de autorização de trabalho e mais US$ 9 mil no momento da entrega do documento que garante a residência permanente, conhecido como green
card.
Cunha chegou a alugar um apartamento no condomínio Jefferson Hills, em
Framingham, cidade de Massachusetts famosa pela sua alta concentração de
brasileiros.
A operação da polícia dos Serviços de Imigração dos EUA, o ICE, tinha os
brasileiros como alvo específico e se estendeu de novembro de 2006 até agosto de 2007. A grande maioria dos detidos são originários de Fernandes Tourinho, cidade rural do interior de Minas Gerais.
- No momento em que eu começava a arrumar a minha vida caí nesta cilada -
comentou Ronis de Souza Marques, em entrevista telefônica direto de Fernandes Tourinho. Marques, de 20 anos, morador de Baton Rouge, na Louisiana, ficou preso 40 dias e teve a sua deportação apressada por ser considerado menor de idade. Ele entrou ilegalmente nos Estados Unidos, em 2004, pela fronteira do país com o México.
Durante a travessia ele foi aconselhado pelos atravessadores a se entregar à Imigração. Foi solto após meses de prisão mas não compareceu ao julgamento marcado no Texas, ofensa grave e punida por deportação.
Segundo a Imigração, dos 27 detidos, apenas sete foram acusados criminalmente, os outros 20 já foram soltos ou deportados, dependendo se pendia 'mandado de remoção do país' em seus nomes.
O eletricista brasiliense Aldemar de Oliveira, de 45 anos, foi solto depois de 14 dias detido na prisão de Dedham, em Massachusetts.
- Ser preso foi a pior decepção que eu tive na vida. Na hora o que eu mais
queria era voltar para o Brasil - afirmou.
O prejuízo de Aldemar chega a US$ 20 mil, sendo US$ 14 mil investidos nos
próprios documentos e US$ 6 mil que pegou emprestado. Ele foi solto após pagar fiança de US$ 5 mil e agora responde ao processo em liberdade.
- Na cadeia os outros presos zombavam da gente. Eles diziam: 'vocês pagaram para entrar aqui, e vão pagar para sair - disse Oliveira, pai solteiro de dois adolescentes, que pretende permanecer nos Estados Unidos.
A operação foi criticada por líderes comunitários como uma armadilha que só vai aumentar o abismo entre imigrantes e autoridades. Para o advogado de imigração Harvey Kaplan, as autoridades americanas "deveriam ter coisa melhor para fazer".
- A gente não entende porque eles realizaram uma super operação para prender trabalhadores quando há vários criminosos soltos por aí - disse Kaplan.
Bruce Foucart é o chefe das operações do ICE na região da Nova Inglaterra,
região ao nordeste dos EUA. Ele garantiu que seus agentes "só realizam operações com alvos certos". Mas durante recente reunião com a comunidade brasileira dentro da delegacia de Framingham, Foucart não soube dizer como a operação se qualificaria na definição de 'alvo certo', já que antes da investigação os agentes espalharam o rumor da venda dos documentos entre a comunidade brasileira.
- Não podemos revelar detalhes porque os envolvidos na operação ainda estão sendo julgados - disse Foucart.
Já o chefe da divisão anti-gangue e de combate ao narcotráfico Craig Novano disse que "a operação demonstrou que os brasileiros estavam dispostos a explorar uma vulnerabilidade para obter documentos por meios ilícitos".
Em julgamento no dia 25 de outubro, a brasileira Creone Angelina Dias entrou no tribunal vestida com a roupa verde da prisão. Ela cobriu a boca e limpou as lágrimas que molhavam o rosto enquanto o advogado resumiu a sua vida em alguns minutos.
A juíza distrital Nancy Gertner setenciou Creone ao tempo de cadeia que ela já serviu. A decisão recebeu o apoio do promotor do estado.
- Eu entendo por que você veio para os Estados Unidos. Eu tenho considerável simpatia pelas pessoas que vêm para os Estados Unidos para trabalhar.
Infelizmente, eu não faço as regras - afirmou Gertner.
- Eu só quero pedir desculpas. Eu sinto muito pelo que fiz - disse Creone Dias.
Ela deve ser deportada já no próximo mês.
Gangues brasileiras
O ICE foi criado pelo Departamento de Segurança Nacional, em 2005, como uma resposta direta aos ataques de 11 de setembro de 2001. Segundo números do governo federal, a agência efetua uma média diária de 55 prisões criminais e 279 detenções administrativas, classe em que os imigrantes ilegais se enquadram.
Para tentar otimizar as operações em território nacional, o ICE criou o programa 287(g), que estabelece parcerias com departamentos de polícias e agentes carcereiros.
No mês passado, a parceria chegou à polícia de Framingham, que concordou em enviar dois dos seus policiais, um que fala português e outro que fala espanhol, para serem treinados pelo ICE. O assunto se espalhou rapidamente entre os brasileiros da cidade e gerou polêmica.
- Eu tenho que proteger todos os moradores, inclusive os imigrantes ilegais. Nós só vamos utilizar a parceria com o ICE para combater gangues, crimes violentos, drogas e armas - declarou o delegado Steven B. Carl.
Ele alega que decidiu participar do 287(g) depois que soube do surgimento de gangues de brasileiros na região.
- O fenômeno tem apenas três meses. E as gangues fazem vítimas brasileiras
também. Não estamos atrás do trabalhador ilegal que não se mete em problemas.
Mas não podemos virar as costas para os crimes - disse Carl.
Craig Novano, do ICE, explicou que as gangues estão ameaçando os brasileiros que ainda têm dívidas com atravessadores da fronteira:
- Eles ameaçam os atravessadores e passam a cobrar a dívida diretamente dos imigrantes.

