Por que esquecemos da infância? - Pais e Filhos

Por Adriana Tanese Nogueira

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Um dos motivos que, com certeza, provocam o apagamento de grandes partes da infância é o estresse vivido naquela época. No conto de fada que os adultos gostam de tecer a respeito das crianças, consta que a delas seria uma época dourada, sem preocupações, contas para pagar, tensões, trânsito e relacionamentos difíceis. Balufas. As crianças sofrem e podem sofrer muito, e muitas delas têm uma vida do cão (estou falando de crianças “normais” vindas de famílias “normais”).

O fato delas não terem a consciência e o conhecimento de um adulto, só piora as coisas, porque elas não podem dar nome ao que as machuca. Isto as confunde, as deixando ainda mais assustadas. Para piorar as coisas e aumentar a perplexidade e confusão da criança, há o fato dela experimentar que a mesma pessoa que lhe dá amor, ou no mínimo nutrimento e abrigo, pode ser aquela com a qual tomar mais cuidado, da qual se precaver.

Coloquemo-nos na posição de uma criança. Ela é impotente e dependente. Se é batida, não pode revidar – coisa que geralmente um adulto faria, de uma forma ou de outra. Se é maltratada, não pode ir embora – coisa que um adulto psicologicamente saudável faria. A criança vive à mercê dos adultos que dela cuidam. Pode ter a sorte de estar no meio de pessoas sensatas, honestas e conscientes… ou não. Neste caso, só lhe resta engolir e ir adiante. O que a norteia será seu instinto de sobrevivência. Ela fará o que for preciso para manter-se viva e pertencer a alguma coisa. Adaptar-se-á a qualquer situação se assim for preciso. Pode se tornar burra, sonsa, malandra, indiferente, insensível, raivosa, mentirosa… Sua psicologia irá se moldando à situação. É tudo o que tem, os pais são seu mundo. Não há outro.

Por que lembrar da dor? A tristeza da realidade, que o adulto acha que somente ele saboreia, é conhecida de muitas crianças. Que elas ainda saibam rir não é prova de que sejam felizes, mas da enorme força da vida que em seus pequenos corpos as sustentam. Chama-se resiliência, a capacidade de superar, refazer-se, ir adiante. Mas, o acumulo gradativo e constante da mesma meleca todos os santos dias não tem como não deixar suas marcas na alma infantil. E assim a criança esquece, e assim a criança é moldada no padrão mental e emocional que sua família lhe impõe.

Para lembrar dos fatos é preciso ter estado presente a si mesmo. Para estar presente a si mesmo é preciso ter tranquilidade de espírito, isto é: não se sentir em perigo, em estado de alerta e com medo. A tranquilidade de espírito não quer dizer ter dinheiro no banco, casa bonita, quarto de grife cheio de brinquedos. Se trata de um estado interior de serenidade e presença. É a verdadeira paz (mesmo quando há problemas). O estresse, como bem sabemos, é a reação ao perigo. Muitas crianças, perfeitamente conscientes de sua fragilidade física, chegam a sentir-se em perigo de vida. Elas não têm condições de entender a raiva de um adulto frustrado, não sabem lidar com isso. O que importa se este adulto se chama “mãe” ou “pai” quando são pessoas com comportamentos violentos, abruptos e irracionais? Ou simplesmente insensíveis? Ser criança é, muitas vezes, viver sob imprevisíveis tiranos.

Nossos neurônios estão disponíveis para impregnar-se de informação quando a alma está sintonizada com o dentro e o fora, ao mesmo tempo. Isso é estar presentes. Se temos que calar o nosso interior é porque o que está fora requer um estado de alerta constante. Então, já deixamos de viver, estamos sobrevivendo. E isso, não vale ser lembrado.